DOR
Já havia pensado em escrever sobre a dor, mas hoje, o meu incentivo, minha inspiração foi a nossa galinha SaraLee, presente de aniversário, que colocou seu primeiro ovo, sua primeira produção, não independente, porque o lindo quase galo, porque ainda é novinho, três meses, mas já está enorme e arrastando a asa, e já dominando a danada que corre atrás dele o tempo todo. Eis que escutei, ontem um cacarejar diferente dela, bem próprio de quando vai botar ovo, mas nada. Hoje o cacarejar voltou, então fui ver onde ela estava, e eis que a vejo instalada no ninho, bem quietinha, se preparando para fazer o que nasceu para fazer, botar ovo, alimento super nutritivo, super necessário, super utilizado na alimentação, super herói embora já tenha sido super vilão um tempo atrás. A expectativa foi grande, parecia que algo inédito ia acontecer - estou falando de mim - porque pra ela realmente era, o primeiro ovo de tantos daqui pra frente. Agora estamos na dúvida se comemos os tais ovos, ou deixamos para chocar quando chegar o período de choca. Enquanto isso, entre tantos comentários, as olhadelas eram fortuitas e ouvido aguçado, esticado em direção ao galinheiro onde lá estava ela aguardando o momento. Em uma das espiadelas, ela estava no chão, saiu do ninho, fomos ver, nada ainda, e ficamos conjecturando se ela saiu para se aliviar, para se preparar, para tirar o stress da expectativa da dor que, mesmo sendo o primeiro ovo, iria sentir pois o instinto assim age, mas logo voltou para seu bem acomodado e confortável ninho, preparado especialmente para quando ela estivesse pronta a começar seu período fértil. Passados uns minutos, mais de meia hora, escutamos o cacarejar doído, alto, constante, ardido, mas percebia-se nele, no cacarejar, uma alegria, um sentimento de realização avisando que já tinha feito a parte dela, seu primeiro ovo estava lá, pronto para ser recolhido para ser comido, degustado, frito ou cozido, ou deixado para se juntar aos outros mais que viriam diariamente, um a um, para um provável aumento de prole, quando entrar na fase do choco. Fomos rápido até lá, e estava ela pelo pátio se espanando toda, cacarejando, já mais tranquila, mas percebia-se que ainda sentia a dor do parto, a dor de por um ovo, pequeno, levemente vermelho, mas o pegamos e parecia um troféu, todo cuidado era pouco para que não caísse, para mantê-lo intacto. Enumeramos para marcar como sendo o primeiro. O interessante era ver o galo vermelho dando giro a sua volta, parecendo estar confortando e dando os parabéns para sua companheira, assim como fazemos, assim como eu fiz quando meus amados filhos nasceram, assim como todos os pais fazem, porque é só isso que eles sentem, a alegria de vê-los nascidos, mas a dor nós não sentimos, dizem ser a pior de todas as dores, e só as mulheres podem sentir e conseguem sentir, como elas dizem homem nenhum aguentaria uma dor tão dilacerante de um filho sair de dentro de sí para o mundo, da mesma forma que a galinha quando o ovo desceu e veio ao mundo. Toda a dor é difícil, seja onde for, seja como for, intensa, forte, fraca, esporádica. Dor é dor. Li um artigo numa revista há muitos anos que dizia ser a dor algo da cabeça das pessoas. Dor não existia, era apenas um sentimento que surgia como forma de dissimular algo. Se fosse assim as galinhas não sentiriam dor. Até pode ser, porque muitas vezes estamos com alguma dor e algo nos distrai, tiramos o foco da dor, e a esquecemos, mesmo momentaneamente, mas se fosse verdadeira não a esqueceríamos jamais. Algo sinistro há nessa tal de dor. São tantas dores que é dificil de enumerá-las. As piores dores são as espirituais, porque não doem como as dores do corpo, dor de cabeça, dor de um corte, dor de um órgão. As dores espirituais doem de forma diferente e atacam mais profundamente do que um corte, maior que seja ele. As dores espirituais penetram em nosso corpo e inundam nosso ser nos fazendo transtornados, nos deixando arrasados e totalmente anestesiados da vida normal. Será que a galinha tem dor espiritual? Porque a dor que ela sente ao botar um ovo é a mesma nossa dor ao nos cortarmos, ao termos o nosso corpo machucado por algo, ou nosso sentimento, nossa indole, nosso interior machucado por alguém é a dor espiritual. Essa dor que estou falando, será que elas sentem? São tão ariscas, porque sabem seus destinos - panela. E nós, sabemos nossos destinos? Não é panela, é um caixão, embora agora tenha outras formas de dizer adeus. Mas as galinhas dizem adeus numa panela servindo de alimento para nós seres humanos famintos por carne, famintos por comida para sobrevivermos e as galinhas, assim como os demais animais, ditos irracionais, servem apenas para isso, para serem queridos, admirados mas todos seguem seu destino, porque para isso foram criados. Sentir dor faz parte do nosso cotidiano, não conheço pessoa que diga não sentir algum tipo de dor, então chego à conclusão que a dor existe sim, que ela vem com intensidades diferentes e de acordo com nosso comportamento, com nossa postura, com a maneira como tratamos ou destratamos nosso corpo. As milhões de coisas existem nas nossas vidas para não deixá-la monótona, não ser rotineira - como escrevi ontem - e não ser cem por cento planejada, pois se tudo que for planejado for cumprido a vida não teria sentido, não teria graça, não teria motivo. Precisamos de um agir pelo instinto, pelo agir no improviso e assim termos mais possibilidades de vivermos melhor e com mais vivacidade, mesmo com alguma dor, seja qual seja, onde quer que esteja. e o ovo? Vou come-lo, com certeza. Mas e tu, o que tens a dizer sobre a dor?