RL – RESERVA DE LUZES ou REINADO DA LOUCURA?
Não é preciso ser nenhum expert para reconhecer que os movimentos literários de fôlego já não existem há décadas.
Desde o Modernismo e as vertentes de vanguarda experimentalista, que nos legaram o concretismo, o tropicalismo, o underground, etc., a literatura não se beneficia de nenhum grande movimento organizado. O que, na verdade, não tem sido nenhum empecilho maior ao florescimento de obras originais no sentido menos romântico do termo.
Afinal nestes tempos internáuticos até as idéias estéticas parecem-nos, naturalmente organizadas. Quaisquer informações atravessam os quatro cantos de maneira rápida e eficiente. E, em meio a isso, quem quer produzir literatura tem hoje um espaço nunca antes visto. Em que pesem as apropriações indevidas, as regras de um mercado impositivo desmotivador e aliciante, a via on-line mantém-se cada vez mais ampla e aberta a novos autores. Estão aí as páginas pessoais, blogs, sites de toda a sorte, a pavimentar novos e novos caminhos; a interação, a crescente intertextualidade, a retórica creative commons, a incontrolável liberdade de criação/recriação e os inúmeros produtos de valor inegável daí advindos.
Por que se falar então em movimento organizado? O mercado e as iniciativas independentes, embora muitas vezes em choque, têm dado conta de responder, natural e eficientemente, às exigências estéticas dos novos tempos. Nunca as artes visuais, a música e todo o pensamento estético da humanidade estiveram tão sintonizados com as exigências da sociedade. Barreiras são quebradas a todo instante. Culturas se entrecruzam e antropofagem, sinalizando para uma sociedade global muito mais próxima da utopia da arte auto-reflexiva e norteadora; capaz de reconsiderar e reconduzir o homem como ser social e intimista, num mundo “completo”, onde as injustiças, as políticas agressivas, a exploração e a fome (de comida e de inserção) não são mais simples segredos locais de ditas/Cias e democraduras.
Mas essa onda de aparente democratização da informação e do alcance dos ideais mais nobres tende a refletir e escamotear um grande caos na esfera das mentalidades e do próprio sistema produtivo. Quem não se reorganizar acabará sendo engolido implacavelmente pela hecatombe desenfreada do progresso dito pós-moderno.
Quanto ao sistema em si, depois das lições e deturpações do frustrado ideal de inspiração marxista, os mecanismos de readaptação e inserção da eficiente burguesia tendem a administrar e redirecionar o caos, para bem dos sacro-santos valores da iniciativa privada, por meio de um implacável movimento evolucionista de natureza e espécie fundadas numa apropriação meio que filosófica do mais tradicional espírito darwinista.
Mas, e as mentalidades, ou, mais propriamente, a atuação estética – sobretudo a literária?
Como fazê-la beneficiar-se desse rico e produtivo caos on-line?
Uma seleção natural, como a que muitos de nós e toda a elite dominante parecemos apostar, não tenderia a fazer prevalecer as iniciativas mais comerciais e menos socialmente pragmáticas?
Quero dizer, não caberia ao chamado escritor virtual mais experiente e esclarecido, aquele cujo foco de atuação sugere um efetivo desenvolvimento dessa literatura dita estilhaçada, assumir a linha de frente na construção de um movimento virtual e atrativamente organizado; um movimento tendente a abstrair desse caos de aparência irreversível uma nova estética, direcionada para as transformações que o mundo de hoje (real e literário) reclama?
Em possíveis fóruns, como este Recanto das Letras, cabe bem essa discussão. Tem muita gente boa escrevendo por aqui.
E não estaria na hora de preocuparmo-nos menos com a valorização de nossas pouco reconhecidas iniciativas isoladas, e mais com o vigor que se anuncia num caos literário virtual que, paradoxalmente, parece reclamar-nos um movimento organizado?
Acredito que o fórum patrocinado pelo RL pode desempenhar grande papel nesse processo. Não só o fórum específico, hospedado no site como uma espécie de reserva de luzes, reflexão e debate, mas muitas das boas páginas autorais que nele abrigam-se. Há vários desses autores bem acima da média, mas que quase não navegam nas diversificadas, ágeis, muito bem vindas, porém às vezes improdutivas ferramentas ali oferecidas. E, quando não é pela complexidade da navegação, acaba sendo pelo próprio ceticismo e/ou cômodo nadar favorável em relação à corrente.
É preciso, pois, atrair tais navegantes a tal fórum, revitalizá-lo e, se for o caso, até sobrepormo-nos a ele.
Fica posta a questão. Quanto à solução este artigo, infelizmente, ainda não pode fazer mais do que abrir-se a um ávido debate.
Caso contrário, em meu entender, o caótico reino de luzes aqui em pauta, ao invés de con/formar-se com as pseudo-rédeas do não menos caótico movimento de nossa loucura ideal, pode acabar atraindo-nos, inapelavelmente, para debaixo do carpete da sempre pragmática loucura meramente burguesa.