DO PURO PASSADO AO PURO PRESENTE
Era uma vez o puro passado.
Ele agrupava acontecimentos, pessoas e coisas que não mais existiam. Sua importância para quem o invocava, entretanto, exigia que se provasse, com o máximo zelo, o estatuto real daquela existência pretérita. Muitas vezes, o puro passado era entendido e instituído na condição de origem, lugar de nascimento, início de práticas humanas.
Nem todo pensamento sobre história, evidentemente, pretendeu confundir-se com o puro passado. Boa parte dele preocupou-se com os limites impostos por essa identificação ou até mesmo a rejeitou.
Karl Marx, na obra O 18 brumário de Luís Bonaparte, de 1852, afirmou que “a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos” e indicou para a revolução social a necessidade de “se despojar de toda veneração supersticiosa do passado”.
Marc Bloch sublinhou a inconsistência de um campo de saber supor dedicar-se a “todo o passado” Que significa falar em “presente”? Sua contemporaneidade radical aparente evapora-se no próprio momento em que se faz a pergunta, sobrando como horizonte para a resposta à temporalidade: quando qualquer um rebate alguma indagação, ela já se tornou passado.
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Cordão Sanitário
Eis agora o puro presente.
Ele agrupa acontecimentos, coisas e pessoas contemporâneas de quem fala (historiador, alunos, etc.), cuja existência e importância são mais que palpáveis no nível da própria vivência, requerendo saberes mais aprofundados sobre sua identidade.
Seus pecados
• O puro passado peca em afirmar compreender “todo o passado”.
• O puro passado peca em isolar-se do presente.
• O puro passado peca em superestimar o passado.
• O puro presente peca em carregar muitas das pretensões de seu pretérito correspondente – factualidade.
• O puro presente peca em que sua contemporaneidade radical evapora-se no momento em que se faz a pergunta.
• O puro presente peca em dizer dar conta de “todo o presente”.
Nesses termos, falar em presente é enfrentar projetos diferenciados e alternativos na sociedade, em disputa, configurando simultaneamente múltiplas identidades – classes sociais, gêneros, grupos de idade, etnias, correntes partidárias etc.
Também é preciso pensar sobre o “passado”, do qual se fala tão desembaraçadamente como sinônimo de qualquer história. Sua exclusiva anterioridade em relação a um hoje engloba riscos semelhantes àqueles apontados sobre o presente: perde-se exatamente seu caráter plural, sua dimensão de fazer, as tensas continuidades e rupturas que ele lança, a partir de múltiplos pontos de sua existência, em direção ao antes e ao depois.