Sentimentos e Emoções: Professor é Gente
Ao discorrer sobre o pensamento de Carl Rogers e Paulo Freire, Gadotti (1996: 91) afirma que a educação deve ter uma visão do aluno como pessoa inteira, com sentimento e emoções.
Sabe, por ventura, a Psicologia, que se preocupa tanto com o aluno, que o professor também é uma pessoa inteira, com sentimentos e emoções? Ou pelo menos que é uma pessoa? Ao que me consta, o professor tem família, paga aluguel quando não possui casa própria, enfrenta problemas financeiros por ser mal remunerado, cansa-se por ter de trabalhar mais de quarenta horas semanais,1 adoece, cuida dos(s) filho(s), fica triste e angustiado, chora perdas irreparáveis, sofre por não ter condições de dar ou proporcionar ao(s) filho(s) o que gostaria...
Somados a tudo isso, há também a falta de respeito de alunos, humilhações na sala de aula, frustrações por não conseguir realizar um bom trabalho,2 sente o coração ser dilacerado diante de situações inconcebíveis que lhe são proporcionadas por alunos e/ou colegas, sente os nervos à flor da pele (como todo ser humano normal) devido à indisciplina e à rebeldia dos alunos. Enfim, por ser uma pessoa inteira, um ser humano, tem sentimentos e emoções.
Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (CF, artigo 5º, Inciso III).
Entende-se por tortura todo e qualquer tipo de suplício (punição corporal) ou tormento (angústia, aflição) (Ferreira, 1988). Apesar de alguns professores serem submetidos, não raras vezes, a torturas físicas provenientes de alunos, vou ater-me aqui somente no que se refere à tortura psicológica, muitas vezes pior que a outra, pois pode provocar uma destruição psicológica da vítima. Isso se dá por meio de palavras aparentemente inofensivas, alusões, sugestões ou não-ditos, as quais podem desequilibrar uma pessoa, ou até destruí-la (Hirgoyen, 2003: 11).
O que eu quero denunciar aqui é que é crime o que fazem com nossos professores dentro e fora da sala de aula por esse Brasil afora. Tenho certeza absoluta de que, dentre os cerca de dois milhões de docentes de nosso país, grande parte tem enfrentado esse tipo de problema. Segundo Zagury (2006: 87), 44% de nossos professores encontram dificuldades na sala de aula porque os alunos não têm limites, são rebeldes, agressivos, faltam com respeito. Isso representa aproximadamente 880.000 professores. É uma quantidade bastante significativa. Provavelmente todos eles tenham sido submetidos a tratamento desumano ou degradante, uma ou várias vezes ao longo de seu magistério.
Cinismo, ironia, julgamentos malévolos acompanham boa parte dos alunos de 8ª série do Ensino Fundamental e das três séries do Ensino Médio, principalmente da burguesia e da pequena burguesia. Filhinhos paparicados que se guindam a patamares dentro dessa sociedade fortemente hierarquizada, e que enxergam os professores como um bando de pobres, sem perspectiva ou qualificação, uma gentalha que pode e deve ser tratada como tal... (Donatelli, 2004: 168).
Notas:
1. Quarenta horas somente dentro da sala de aula, e em várias escolas, pois em casa ainda elabora e corrige testes e provas, trabalhos, etc.
2. Impedido pelo sistema educacional e/ou pelos próprios alunos ou pela escola.
Referências Bibliográficas:
GADOTTI, Moacir (Org.). Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez Editora, 1996.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
ZAGURY, Tânia. O professor refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2006.
DONATELLI, Dante. Quem me Educa? A família e a escola diante da (in)disciplina. São Paulo: Arx, 2004.
*Extraído do livro "A arte da guerra para professores", do autor.