Possibilidades e fronteiras: uma educação para o educador
Artigo
Possibilidades e fronteiras: uma educação para o educador.
Resumo
Partindo de uma análise empírica não podemos deixar de observar que além de a educação no Brasil avançar pouco, vem sendo ainda menos decisiva a atuação do educador em sala de aula. Pouco participativos, que pouco se comunicam, que pouco acreditam em seu próprio trabalho como também no potencial do aluno. É a partir disso que se propõe uma educação para o educador. Será necessário uma revolução no ato de ensinar pressupondo o ser que educa como agente transformador, ativo e dinâmico.
Palavras-chave: ensino-aprendizagem, educação, conhecimento.
Introdução
A educação brasileira avança pouco. Muitas são as teorias desenvolvidas nesse campo de análise assim também como são longas as conclusões que necessariamente levantam problemas indubitáveis. Indagar sobre as péssimas políticas educacionais que têm sido desenvolvidas ao longo do tempo, e também sobre a concretização das condições de ensino é uma atividade tão responsável quanto digna de ser pensada. Mas o fato talvez mais triste é que cresce na mesma proporção a inatividade para sanar tais problemas. Tudo seria cômicos se não fosse trágico.
Como foi feito acima, quando lançamos os olhos sobre a educação é comum levantarmos diversos problemas objetivos sem, contudo, questionarmos o seu ponto de partida que é o ato de educar. Nesse artigo tem-se como objetivo, sobretudo, desenvolver uma reflexão filosófica sobre o ato de ensino-aprendizagem como formação contínua para o educador. Não podemos falar, portanto, em educação sem citar características preponderantes que estão presentes em toda a sua estruturação prática.
O fato é que mesmo com todos os estudos que têm sido realizados nessa área, como também diversas são as polêmicas a respeito, pouco se tem feito e refletido sobre o educador e a sua forma de ação na sociedade.
No século em que vivemos onde tudo se torna cada vez mais competitivo a educação se apresenta como uma característica cada vez mais necessária e relevante. Um desafio é posto a cada instante em que surgem novos entraves. A educação não é um ponto fixo e rígido. É ela, antes de tudo, maleável, dinâmica e permanente.
Posto que a educação seja o objeto primordial que se apresenta em nosso século , e que ela, por sua natureza, passa por intempéries asseverando sempre uma característica própria de renovação que pressupõe inquestionavelmente uma mudança que é lógica e que é certa, cabe perguntarmo-nos se o educador está de fato preparado para assumir a responsabilidade de intervir nesse processo. De aceitar o novo. De fortalecer-se com o improvável. De superar as dificuldades. De ver a escola definitivamente como objeto precípuo de transformação psíquica e inclusão social.
O Ato de Educar Pressupõe o Ser que Educa
De acordo com o seu étimo, a palavra educação significa, propriamente, “exteriorizar”, “trazer à luz”. Num sentido fundamente socrático devemos concebê-la como o processo o qual o objetivo é despertar a verdade mais profunda que em nós existe. Relacionando essas concepções não podemos pensar de outra forma senão na educação somo forma de ação que é tanto individual quanto exterior na medida em que é íntima e que ao mesmo tempo é uma indubitável exigência para se viver harmoniosamente em sociedade, uma espécie de estar-no-mundo.
Dessa forma, educar não é somente conduzir o outro para o conhecimento intelectual, de razão, de certeza, de conteúdo, de verdades, mas também para a exterioridade, para o seu caráter prático, para o convívio, para a aceitação do próximo. Não estaremos, de forma alguma, incorrendo em erro quando afirmamos que viver é conviver uma vez que o indivíduo é por natureza um ser social.
Posto tudo isso já não é difícil compreender que de fato o ato de educar pressupõe o ser que educa. O educador, nesse contexto, assume um papel de fundamental importância. Dessa forma, observamos que de um lado é posto a sua capacidade teórica, do outro a sua capacidade prática.
Em suas “Teses contra Feuerbach”, Karl Marx nos apresenta uma máxima tão verdadeira quanto digna de ser pensada. Dizia ele: “os filósofos se limitaram em interpretar o mundo diferentemente, cabe (agora) transformá-lo”. Com isso ele nos convida a pensar a nossa condição como um fator de mudança, isto é, de ser ativo na medida em que somos capazes não só de compreender a nossa relação com o mundo, mas também de exteriorizar na prática aquilo que antes cogitamos no silêncio de nossa inteligência. É nessa perspectiva, portanto, que devemos analisar a relação estabelecida entre o educador e a sua prática.
No livro “Pedagogia da Autonomia”, Paulo Freire faz uma série de considerações em torno do ensino e aquilo para qual o ensino exige. Com relação aos aspectos teóricos e práticos exigidos na sala de aula propõe o seguinte:
"É preciso insistir: este saber necessário ao professor – que ensinar não é transferir conhecimento – não apenas precisa de ser apreendido por eles e pelos educandos nas suas razões de ser – ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa de ser constantemente testemunhado, vivido.
Como professor num curso de formação docente não posso esgotar minha prática sobre a teoria da não extensão do conhecimento. Não posso apenas falar bonito sobre as razões ontológica, epistemológicas e políticas da teoria. O meu discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto, prático, da teoria. Sua encarnação. Ao falar a construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos". (Freire, 1996.p.47-48).
Como profissionais produtores de saber e de saber fazer é tarefa dos professores, de acordo com essa perspectiva, não somente saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas também em seus discursos asseverar ao máximo o caráter prático da teoria no momento em que se está junto com os alunos construindo o conhecimento.
O primeiro ponto, portanto, que devemos estabelecer como necessário para a educação do educador está sobremaneira na conscientização de seu trabalho como forma de ação teórico-prático.
De qualquer forma, ainda estamos profundamente inseridos em organizações autoritárias, num processo de ensino e aprendizagem ainda controlador, com educadores pouco participativos, que pouco se comunicam, que pouco acreditam em seu próprio trabalho. É impossível essas características não refletir a educação como um todo posto que ainda estamos levantando problemas sem essa perspectiva marxista para a transformação do agora. Sem a reflexão necessária e a conscientização de sua importância e influência na sociedade, com os problemas e os entraves provocados em parte pelas péssimas políticas educacionais o educador torna-se parte do problema.
Com isso podemos afirmar, portanto, que é preciso construir uma educação para o educador. Não trata-se de uma idealização, mas de uma necessidade pertencente, sobremaneira, a toda uma realidade empírica. A relação estabelecida no contexto pedagógico entre a possibilidade e a realização de seu trabalho determina evidentemente o nível de aprendizagem e o desenvolvimento pessoal do aluno.
O segundo ponto que devemos ter em mente nesse processo é que nas mãos do professor, há um saber e o “produto do seu trabalho é o outro”, um outro ser humano. Os meios de trabalho são o próprio professor, o processo de trabalho, se dá em uma relação social permeada e carregada de história. O processo de transformação da educação só pode se dar, nesse sentido, com uma comunicação autêntica e aberta entre professores e alunos. Portanto é preciso se educar para a autonomia e para a cooperação. Professor e aluno devem completar-se na sala de aula para a construção do conhecimento real.
Essa relação não deve nunca estar centrada em autoritarismos infundáveis e desnecessários, mas no diálogo e na participação efetiva e construtiva. Mesmo que em momentos extremos seja preciso que o professor use uma espécie de autoridade parcial isso não deve ser encarado como a superioridade de um em relação aos outros.
A Importância do Caráter Intelectual do Trabalho
do Professor
Quando se admite que o trabalho do professor tem um caráter intelectual, é bem possível que o leitor ou a leitora possa concluir que trata-se de um trabalho para privilegiados, de características preponderantemente inúteis para a transformação da educação e inclusão social.
Entretanto, devemos dar conta do significado e da importância do trabalho intelectual partindo da análise de sua finalidade. O significado do trabalho humano, isto é, da ação transformadora do ser, posto que ele seja por natureza um ser social, está inquestionavelmente ligado à sua realidade concreta. É nesse sentido que afirmamos que mesmo propondo a construção do conhecimento partindo do próprio aluno é impossível não pressupormos um saber que é necessário ao educador que na sala de aula selecionando as informações usa-se inevitavelmente desse próprio saber.
O que caracteriza esse processo de ensino-aprendizagem está fundamentalmente na sua intervenção da consciência. Traçando caminhos novos ou repetidos, o professor é dirigido por finalidades, finalidades estas que são produtos da atividade da consciência. Essas finalidades concretizam-se em ações práticas inevitáveis para o funcionamento desse processo. O trabalho do professor mostra-se nesse contexto não somente como exigência para a formação do educador, mas também como forma de ação para a transformação do ser.
Posto isso podemos raciocinar com Vázquez que:
"A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma e, em primeiro lugar, tem que ser assinalada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação". (p, 206-207).
A partir disso podemos assegurar que o trabalho do professor, se tem o caráter intelectual, por outro lado, não se limita a ele. O professor não deve ser um mero aplicador de teorias, mas um pesquisador em potencial. É bem compreensível que pode haver uma estranheza quando se fala da formação do professor pesquisador dentro de um corso de graduação em Licenciatura, por exemplo. Isso acontece pelo fato de que essa posição é fruto da cisão criada entre teoria e prática, entre pensar e fazer como se o agir desobrigasse o pensar.
"Essa visão permanece dominante nos cursos de formação de professores, tanto no ensino médio, quanto na Universidade. São dadas as disciplinas teóricas, inicialmente, que por serem descontextualizadas, contribuem muito pouco para a reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem sobre as relações entre a prática pedagógica e o contexto social em sua totalidade, e ainda assim são entendidas como a “base” para a atividade docente" (...). (Esteban; Zaccur, 2002. p 17-18)
O fato é que o ser pesquisador caracteriza-se pela constante preocupação em compreender e anunciar o “verdadeiro” significado da realidade através de investigações de diversas naturezas. O educador deve ter em mente, que além de ter em suas mãos a possibilidade de intervir profundamente nesse processo de forma afirmativa, deve se conscientizar da necessidade da aquisição do saber para romper com as barreiras que tornam a educação cada vez mais pobre.
É fato que o professor precisa ter conhecimento profundo do conteúdo que trabalha. É necessária uma formação ética como também política, do contrário a sua capacidade estará limitada e as suas conjeturas condenadas apenas ao que poderia ser. Sem as características fundamentais exigidas pela boa prática pedagógica seria quase que impossível despertar o desejo nos alunos para que sintam prazer no ato de aprender. Esse é com certeza um dos principais desafios de nosso tempo. Inquietar o aluno desenvolvendo ao máximo a sua capacidade crítica e ao mesmo tempo conscientizá-lo de seu papel social e da importância da aquisição do saber é a tarefa primordial do educador em sala de aula.
Verdadeiro Educador ou Mero Repetidor?
Como já foi explicitado a educação é maleável, dinâmica e permanente. É evidente pensar que para alguém esclarecido que esteja engajado ou não no processo educacional um título social não seria, de forma alguma, o ápice ou o limite da educação. Isso pelo fato de que a educação não tem começo nem fim, pois educar-se é tarefa contínua.
Frequentemente uma grande parte dos educadores tem perdido não somente a confiança em si próprio e nos alunos, mas também a consciência de sua importância de agente transformador, que deve assumir a responsabilidade de caminhar com suas próprias pernas inovando e rejeitando muitos dos saberes preestabelecidos que, por sua natureza, limitam todo o desenvolvimento e alcance desse processo educacional. É triste saber que os educadores vêm perdendo o sentido mais íntimo da realidade. A educação que deveria ser contínua pára diante do comodismo, dos interesses próprios e da falta de ousadia para rejeitar, criar e inovar.
"E nesse panorama desolador, o educador perdeu de vista que seu único compromisso é com o dinâmico, com o que poderá acontecer de maneira viva, salutar, inesperada, na medida em que seu aluno responda de modo inquieto, sem reservas e, portanto, em crescimento, a qualquer proposta que faça e que permita que isso aconteça... E se tornou compromissado com o estático, com o estratificado, com o unificador e modelador de respostas esperadas (porque as exigidas...). E aí, deixou de perceber a educação como um processo e ele como um agente transformador de comportamentos e desencadeante de tônicas vitais, que é a única garantia de crescimento de seu aluno (tenha ele a idade que tiver). Enfim, deixou de ser um educador, para ser um mero repetidor de informações, em geral, desinteressantes, anacrônicas e desnecessárias". (Abramovich.1985.p,41).
De acordo com essa visão é imprescindível que a postura do educador deve ser aquela aberta a indagações, a busca, a características subjacentes a todas as indagações tanto de um aluno em particular quanto do grupo como um todo. Nessa perspectiva o educador deve ser não um mero repetidor, mas um criador, um inovador, enfim um ser crítico e criativo.
Qualidades Essenciais ao Bom Educador
O bom educador está inserido consciente e objetivo no processo de transformação da educação. Sabe que é agente decisivo nesse processo. Tem consciência de sua responsabilidade. Tem consciência de que é preciso preparar o aluno não para o mero acúmulo de informações, mas sim para a vida.
É indubitável dizer que quando se trata de educação no Brasil algo deve ser feito. O educador em sala de aula deve estar preparado para essa problematização. Deve estar aberto ao novo, deve ser crítico, deve inovar, enfim deve romper com as fronteiras que o prende e que prendem os alunos para se aproximar mais da sociedade afim de que se construa um conhecimento mais seguro do país, do mundo e do universo. É necessário que questione mais sobre a educação.
O bom educador deve ter em mente que ensina aprendendo e que aprende ensinando. A sua atuação na sala de aula deve basear-se numa troca. Professor e aluno se completam na construção do conhecimento real que é pensado, vivido e experimentado.
Como dissemos é preciso educar o educador, pois o ato de educar pressupõe o ser que educa. Mas é preciso saber também que ele não é uma máquina programada para realizar uma tarefa. É antes um ser que pensa, que sente e que vive. Há de fato péssimas condições de trabalho, imagem distorcida que nada dizem de seu próprio eu, etc. Mas é preciso escrever a sua história. É preciso haver uma revolução na educação partindo do próprio educador que deve ser o cerne desse processo. O mundo é aquilo que fazemos.
Referências Bibliográficas:
Abramovich, Fani. Quem educa quem? Editora Summus. 7ª edição. São Paulo, 1985.
Esteban, Maria Teresa; Zaccur, Edwigens. A pesquisa como eixo de formação docente. In: (org) Professora-pesquisadora; uma práxis em construção. Rio de Janeiro: 2002. P.11-24.
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. Editora Paz e Terra. 35ª edição. São Paulo, 1996.
Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Seleção de textos de José Arthur Giannotti; tradução de José Carlos Bruni. 2ª edição. Editora Abril Cultura. São Paulo, 1978.
Vázquez, Adolfo Sanchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro, editora paz e terra. 1968.11ª edição. Tradução Luiz Fernando Cardoso, 454 páginas.