Vendendo felicidade: positivismo tóxico
Eu gosto de rede social. Confesso que - de uns 2 anos pra cá, fui perdendo o interesse, principalmente no Facebook. Mas ainda passo por lá vez ou outra. Gosto de desopilar o fígado vendo vídeos aleatórios de gatos e outros conteúdos despretensiosos. Tenho meu Instagram pessoal, posto uma coisa ou outra da minha vida comum, com seus altos e baixos, sem grandes viagens, sem nenhum requinte, sem apelos das modinhas de felicidade e superação. Tenho meus momentos de alegria e positividade (raros rs). Normalmente, estou mais para Charles Bukowski do que para Lao Tse, embora me esforce para mitigar meus dilemas existenciais com filosofia taoista e isso me ajuda, até determinado ponto, compreender as vicissitudes da vida. Estou longe da iluminação, todavia. Dentro de um nível aceitável, pra mim, de ambiguidade, toco meu barco e traduzo vez ou outra em postagens. Quando estou apaixonada, quando estou com dor de cotovelo, quando estou brava, triste, na merda, no paraíso… e por aí vai. Já fui mais assídua em rede social, atualmente escrevo pouco e posto pouco, inclusive textos sobre política, geopolítica…
Dito isso, não podemos deixar de notar a doença da rede social, para quem vende/exibe marketing existencial, principalmente no Instagram, que consiste na produção linear de posts da vida feliz sob qualquer circunstância. Minha reflexão foi motivada, logo pela manhã, depois de ver um post no Instagram de uma mãe, provavelmente empresária, acostumada a usar a rede social para passar imagem de vida perfeita e feliz, cuja filha, de 15 anos, cometeu suicídio há 3 meses. Essa mãe, ainda de luto, continuou movimentando seu Instagram, só que agora para falar do suicídio da filha. Fiquei curiosa e fui perscrutar o perfil dessa mãe. Não fazia nem dias que a garota se matou e a mãe estava produzindo conteúdo em postagens anteriores. Num dos vídeos, ela discursava, com ar de resolvida, ensinando as pessoas a detectar depressão nos filhos e evitar o pior (coisa que ela mesma fracassou). Pra piorar, a estética dos conteúdos, cabelo feito, maquiagem e aquele leve sorrisinho de vida feliz. Mesmo depois de uma tragédia imensurável na dor de mãe, esta continua bem e seguindo a vida com discurso de superação, há 3 meses APENAS do suicídio da filha. Pra tornar a coisa mais sem noção ainda, defende o uso de medicação psiquiátrica, ressalta que a filha estava medicada, feliz e bem, mas a depressão…
Antidepressivo, para quem tem pensamento suicida, é empurrar para o abismo de vez. Mas…”Vamos delegar nossa vida à indústria farmacêutica com seus “bálsamos” e porções mágicas para continuar fingindo que somos bem resolvidos e felizes”.
Rede social virou marketing existencial de quem é mais feliz, bem sucedido, resolvido e lindo. Um grande caldeirão de mentira dos coachs da existência exitosa, dos significados positivos. Daí acontece uma tragédia que estraga a marca, o marketing… nem dá tempo para o luto e já é hora de calçar o salto e produzir superação 🤮
Tóxico é o slogan das empoderadas: mulher não sofre mais, ela lucra.