ASSASSINATO A SANGUE FRIO
ASSASSINATO A SANGUE FRIO
Um assassinato cruel está próximo de ser consumado na cidade de Vitória, capital do estado do Espírito Santo. Tem local certo para acontecer, e é do conhecimento de autoridades Municipais, Estaduais e Federais. Está indefinida a hora e a data, mas ele ocorrerá de fato e ficará totalmente impune se não houver uma mobilização popular - eficaz e imediata – não só pelo povo capixaba, mas pelas gentes de todos os cantos do Brasil e de todos aqueles que se consideram civilizados.
O hediondo crime que estou falando é a iminente demolição do Teatro Edith Bulhões, e do conseqüente e previsível sepultamento em vida da hoje agonizante Sociedade de Cultura Artística de Vitória – a SCAV.
Nos idos dos anos de 1950, a concertista brasileira, a pianista carioca Edith Bulhões, foi convidada pelo então governador do Espírito Santo, Jones dos Santos Neves, para desenvolver uma estrutura que permitisse o florescimento cultural no estado, que se tornasse o embrião e celeiro de artistas locais.
Passado o entusiasmo inicial e com a troca de governos, os recursos e o apoio para continuação de tão monumental tarefa começaram a minguar. Mas Edith não esmoreceu, arregimentando pessoas e recursos para auxilia-la naquela bela idéia que – de fato e após inúmeros anos de luta, concretizou-se em tijolos e equipamentos do Teatro da SCAV, uma escola de balé e a realização de inúmeras produções culturais relevantes.
Edith Bulhões, durante décadas, literalmente “passou o pires” atrás de doações e de ajuda. Para isso, freqüentou gabinetes de governantes, políticos e de outras autoridades públicas. Buscou patrocínios com empresários dos mais diversos segmentos; convenceu incontáveis profissionais a colaborarem, de forma gratuita em obras, serviços e em produções artísticas. Sem falar nos inúmeros artistas, clássicos e populares, que realizaram apresentações em troca de simples transporte, alimentação e hospedagem.
Quando o dinheiro faltou e para que o projeto não cessasse, ela mesma tirou recursos do próprio bolso, sacando suas economias, vendendo propriedades e bens que adquiriu ou recebeu durante a sua carreira artística e profissional.
O Teatro da SCAV – posteriormente e justamente batizado de Teatro Edith Bulhões – foi erguido em um terreno concedido na década de 1960 pelo Poder Público Federal.
Com capacidade para mais de 300 pessoas, dotado de bons equipamentos, inclusive sistema de ar condicionado central, conta ainda com amplo estacionamento para veículos. Sua localização é excelente, de grande valor econômico e de inegável interesse imobiliário, a Avenida Beira-Mar de Vitória, Espírito Santo. Do teatro pode-se ver o trânsito de veículos que transpõem o chamado “Centro Velho” ao novo Centro Comercial e aos atualmente bairros mais nobres de Vitória, bem como apreciar, no lindo canal que se descortina à sua frente, o entra e sai dos barcos e navios que conduzem ao abrigo do porto de Vitória, ou de volta ao oceano.
Certamente foi essa localização que despertou o interesse e o apetite de burocratas do Governo Federal em retomar a área concedida à Sociedade de Cultura Artística de Vitória – a SCAV. Primeiro, através de ação judicial patrocinada pela Polícia Federal. Perderam a demanda!
O ataque feroz não cessou, pois uma nova ação judicial foi proposta. Desta vez em nome da Receita Federal, que pretende construir na área a sede da Delegacia Regional. A máquina estatal, dotada de diversos advogados e de recursos financeiros aparentemente inesgotáveis, finalmente abateu a frágil SCAV, um exército de Brancaleone formado por um único advogado e outros voluntários - que sempre trabalharam sem qualquer remuneração, apenas movidos pela força de suas convicções e ideais.
A escola de balé, a mando do “interesse público”, já foi totalmente demolida - deixando sem guarida as muitas crianças que ali buscavam a concretização do sonho, do desenvolvimento pessoal e artístico.
O crime, premeditado e re-premeditado, não pára por aí! A SCAV recorreu da decisão judicial e novamente perdeu, desta vez condenada a pagar a sucumbência, os honorários advocatícios (apesar de organização sem fins lucrativos, de utilidade pública, e com o seu caixa tendendo ao número zero).
Pior, e pode ser chamado de imoral, a justiça determinou que a SCAV entregue o Teatro SEM RECEBER QUALQUER INDENIZAÇÃO por toda a construção e benfeitorias ali alocadas!
Enquanto escrevo com a mais forte indignação e asco, vêm à minha memória a imagem dos radicais afegãos do Taleban que, em nome do seu fanatismo religioso, determinaram a destruição das grandes estátuas do Buda, esculpidas na rocha – obras de arte e patrimônio cultural da humanidade.
Crime dos ignorantes, gente que ocupa o poder de forma transitória e que – por incompetência, vaidade, burrice ou coisa que o valha – perpetra às gerações futuras o tamanho da própria imbecilidade.
Em outros tempos, eu sei que Edith Bulhões estaria lutando bravamente à frente de seu pequeno exército de Brancaleone, tentando salvar o Teatro e a SCAV, impedindo mais um golpe mortal contra a arte e a cultura brasileira.
Afilhada artística da lendária Guiomar Novaes, Edith sempre foi assim: aguerrida e guerreira, destemida e ousada, que arrancou “bravos” calorosos do grande Heitor Villa-Lobos quando executou para o supremo compositor, pela primeira vez e de forma inédita, a sua transcrição para piano do “Moto Perpétuo”, de Arturo Paganini - peça musical de complexa execução e na qual ficou debruçada por mais de dois anos. Foi essa magistral peça clássica, executada por Edith Bulhões, o prefixo da Rádio MEC – do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, por muitos e muitos anos.
Infelizmente, Edith Bulhões está adoentada e cansada. Do alto dos seus respeitáveis 90 anos, lúcida, está preocupadíssima com o destino da Sociedade de Cultura Artística de Vitória (SCAV) e do Teatro que leva o seu nome. Sabe que liderou e ajudou um sonho belíssimo a sair do papel e tornar-se realidade, através de trabalho árduo, apaixonado e desinteressado. Mas ela sente que já não possui mais o vigor físico de outros tempos, que entusiasmou e encantou brasileiros e estrangeiros.
É claro que esforços estão sendo feitos no sentido de tentar reverter o assassinato cultural anunciado. Foram contatados o Prefeito de Vitória, o Governador do Espírito Santo, diversos Secretários, Vereadores da Câmara Municipal de Vitória, os Deputados Estaduais e Senadores do Espírito Santo, o Ministro da Cultura do Brasil, além de outras pessoas que trafegam pela esfera pública, nos Três Poderes. Mas é fundamental que haja o clamor da opinião pública, de artistas, da mídia e de outros representantes da sociedade organizada – para que tão grave dano à cultura e às futuras gerações não seja perpetrado.
Para contatos, mais informações ou sugestões, e-mail pbmarcial@uol.com.br .