O GALO

Hoje de madrugada acordei com o galo cantando. Galo? Que galo, dirão os mais velhos. Galo? O quê é isso? Perguntarão os mais novos. Para ambos, entretanto, serei mentiroso. Os primeiros porque não vêm e não acreditam mais que galos possam cantar; os segundos porque nunca viram nem galo, quanto mais cantando.

Mas foi verdade. Não é história de pescador. Acordei e o galo cantava: co, co, roco, co,co. É era assim mesmo. Os galos cantavam assim, talvez o que eu tenho ouvido estivesse meio desentoado, pois como sabemos não existem tantos galos hoje em dia, e os restantes, não podem mais aprender essa arte por que não tem que os ensine.

Cantam, mas cantam somente em decorrência de uma vaga lembrança. Coisa genética, quiçá. E desta forma, desentoados, desafinados. Ou será porque estes galos que teimam em cantar foram gerados por inseminação artificial, e de uma maneira ou de outra escaparam de seu fim específico, uma panela ou um forno?

Isso pra mim, entretanto, não tem muita importância. Que cantem. Pois a importância maior está no cantar, não na afinação, na toada. Cantar, mesmo que fora do tom, significa que eles existem, e que não foram totalmente extintos do planeta. Resta-nos, ainda, quem sabe, uma tênue esperança para as vidas, nossa, dos filhos, dos netos.

Que eles possam algum dia ter o prazer de ver um galo, e na madrugada, cantando. E o nome Galo da Madrugada não se restrinja somente a um time de futebol aqui do interior do Ceará, lá do Crato, mas aos galos da madrugada que cantam para nos avisar que o dia está amanhecendo, e a passarada logo, logo irá se acordar, e juntamente com os galos, farão uma algazarra que nos deixará nostálgicos, melancólico, com saudades de uma época distante, onde galos e pássaros cantavam airosos e radiantes mundo afora, e não era vistos somente rodando inertes numa máquina de assar, ou exposto, despenados, num frigorífico qualquer. E tampouco a lembrança dos galos restrinja-se somente à expressão: "ouviu o galo cantar e não sabe aonde".

Deixemos os galos cantarem. Por enquanto, pode até ser desentoado, desafinado, pois seus irmãos mais próximos, os frangos de granja, não têm esse prazer, pois têm uma vida efêmera, que não pode passar de quarenta e cinco dias para não dar prejuízos aos criadores.

Cantem galos do Brasil, mesmo que desafinados e fora do tom. É bonita amanhecer num vilarejo qualquer deste país, ou de outro qualquer com um bando de galos fazendo barulho com seu cantar, pois nas cidades, o barulho que se ouve hoje, infernal pode-se dizer, são de carros e suas descargas poluentes. Muitos com uma caixa de som ensurdecedora que nos prejudica os tímpanos. Enquanto o cantar dos galos não nós ofende, pelo contrário nos trás de volta a uma época de vida plena com harmonia com a natureza.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

DEZEMBRO/2007