A Morte de Deus e o Coroamento de Seus Assassinos

A Morte de Deus e o Coroamento de Seus Assassinos

Quando Nietzsche afirma em seus livros que Deus está morto, Nietzsche afirma a existência de Deus, ou que pelo menos que Deus já existiu, pois para que algo venha a morrer é necessário primeiramente que este algo exista, e que esteja vivo. E como um deus, o qual sempre foi pensado pela humanidade como sendo um ser imortal, pode morrer?

Os personagens de Fiódor Dostoievski, Ivan Karamazov e Kirilov, das obras em ordem respectiva Os demônios e Irmãos Karamazov, compartilham de um ponto de vista similar à respeito de Deus, o qual é o seguinte: “Deus não existe, mas ele está lá”. Entenderam? Como algo que não existe pode estar em algum lugar, em algum local, já que não existe? Os personagens de Dostoievski têm a mesma opinião sobre Deus igual a Nietzsche: Deus não existe em si, o ser, a substância Deus jamais existiu, contudo a idéia a respeito de Deus, as idéias fabricadas sobre Deus existiram, o que de certa forma fez Deus existir, tornou Deus em um ser real, existente. Então, vemos que Deus existe por meio da idéia que foi fabricada pela mente humana, mas que o objeto da idéia em si não existe, nunca existiu. Deus só veio a existir quando o homem passou a ter consciência e a usá-la, e foi justamente esta consciência que no princípio, ainda bastante primitiva, criou a idéia sobre Deus ao interpelar o mundo em que ele via, tocava e sentia, e a conclusão em que ele chegou por meio desta interpelação ao mundo e a si mesmo, foi a de que um ser muitíssimo poderoso foi o responsável pela criação de todas as coisas as quais ele percebia: Deus foi sua resposta, foi sua conclusão.

Sabemos pois que uma conclusão é uma idéia, uma opinião a cerca de algo que foi pensado, ou analisado, ou interpelado. A conclusão é uma interpretação de algo que foi interpelado e pensado pelo homem.

Mas Nietzsche afirma no século dezenove que Deus está morto, e nós somos os assassinos de Deus, pois nós o criamos para ser o alicerce e as colunas de sustentabilidade e de desenvolvimento da existência. Contudo nós, os pais de Deus, os criadores de Deus, tardiamente fomos perceber que Deus era uma mentira, um erro, um engano, mas um erro e uma mentira necessária para que a humanidade no princípio de sua formação e desenvolvimento não se aniquilasse por completo, devido a perversidade e a violência desenfreadas na natureza comportamental do ser humano. O embuste de Deus também foi necessário neste ponto para domesticar a alma humana, harmonizá-lo, educá-lo. A idéia de Deus evitou também uma possível histeria individual e simultaneamente coletiva, que poderia se desencadear desenfreadamente na alma humana, compelido-o a uma descrença de tudo tão intensa e tão profunda que o empurraria a surtos massivos de suicídios e de destruição de quem estivesse por perto, o que poderia comprometer a preservação da espécie humana.

O grande erro foi que o homem fez de seu filho, da coisa que ele pariu, do ser que ele inventou, ele fez da idéia de Deus uma verdade absoluta, uma verdade que existia por si e em si mesma. Então a coisa criada, a coisa inventada torna-se senhor e dono de quem o inventou e o criou. O homem torna-se escravo por completo do objeto de sua ficção, de sua invenção. E este embuste divinizado se enraíza, e é enraizado, profundamente nas civilizações por vários períodos históricos da humanidade.

Por isso que ao desenvolver o assassinato de Deus, Nietzsche nos diz que esse assassinato tem que possuir uma poder duplo: matar a idéia e o objeto vinculado da idéia: Deus. A morte desse ser tem que possuir esse poder bivalente: matar o ser e todos as idéias vinculadas a este ser, que até então eram os pilares de sustentação da nossa existência. E o cadáver de Deus de modo algum deve ser enterrado dentro do nosso corpo. O cadáver desse ser e dessa idéia divinizada devem ser enterrados fora de nossos corpos, o mais longe possível de nossa alma. Não deve ficar sequer a sombra disforme deste cadáver em nossos corpos.

O que Nietzsche nos propõe depois deste assassinato sagrado e necessário, é justamente propiciar à humanidade o desenvolvimento de sua capacidade de criação, a transmutação dos valores, a fim de nos tornar fortes e saudáveis para vivermos a plenitude da vida. Ora, se o homem primitivo, detentor de uma mente bem limitada e rude, pode criar a idéia de deus para dar sentido a sua vida, nós, em nossa época atual também podemos utilizar nossa capacidade de criação para inventar tudo o quanto quisermos. Morto Deus, estamos livres para nós mesmos, estamos livres para sermos tudo o quanto ousarmos, para tudo o quanto quisermos nos tornar. Diante desse novo panorama, a homem está livre para ultrapassar seus próprios limites, e fundar de forma constante as tábuas das novas diretrizes de sua própria existência, sem jamais retroceder ou se apegar a qualquer forma de misticismo ou de idéia que tenha características de um novo ídolo, com uma nova forma de idolatria, ou de uma nova verdade absoluta.

O que Nietzsche nos entrega é o homem e todas as novas portas que ele pode abrir, e que ele pode construir para seu pleno desenvolvimento individual, visando à auto-superação de forma constante no decorrer de sua vida.

A morte de Deus vista por Nietzsche permite ao ser humano expandir o cosmos de suas habilidades, de sua criatividade, de seu pensamento, propiciando liberdade ao homem para ir além de tudo o quanto ele pensava não poder ser, não poder atingir, não poder alcançar, levando-o a ultrapassar seus próprios conceitos, definições e verdades, para torná-lo rei de sua própria vida e existência.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 16/12/2007
Reeditado em 19/12/2007
Código do texto: T780584
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