Ampliação da comunidade moral
Os autores mencionados nesse ensaio defendem a expansão da comunidade moral, expansão essa que deve incluir os animais irracionais no grupo dos seres que merecem respeito. Cada filósofo leva em consideração o que há de semelhante entre os animais humanos e os animais não-humanos para fundamentar sua argumentação.
O primeiro autor a ser examinado é Humphrey Primatt. Ele afirma que os seres humanos têm o dever de compaixão para com todos os seres em condições vulneráveis à dor e ao sofrimento. Nós, na condição de humanos, devemos consideração moral para com os animais, independentemente se eles têm ou não a configuração física humana. O mais importante, é que os critérios éticos definidores dos seres que participam da comunidade moral não podem ser embasados na aparência exterior desses mesmos seres.
A tese central de Primatt, na qual ele afirma que diferenças na aparência são irrelevantes à experiência da dor, é corroborada por Andrew Linzey e Richard Ryder. Segundo Primatt, os animais e os seres humanos possuem a mesma capacidade de sentir dor e sofrer. Existe o interesse de não sentir dor, o interesse em não sofrer, que vai muito além das aparências e que deve ser levado em consideração tanto no tratamento aos animais racionais quanto no tratamento aos animais irracionais.
A dor é intrinsecamente má, independente do ser que a sente. Por esse motivo, devemos ampliar o círculo moral para que os animais sejam incluídos no grupo dos seres dignos de consideração moral. Em acordo com Primatt, o que deve ser levado em consideração na hora de definirmos os membros da comunidade moral não é a formatação externa dos corpos dos seres, mas sim o interesse interno de cada um, devemos valorizar o interesse interior dos sujeitos, sejam eles seres-humanos ou animais não-humanos.
Se um interesse é considerado moralmente relevante para o ser humano, também deve ser assim considerado um interesse relevante para as outras espécies de vida. Enfim, se sentir dor e sofrer não são experiências moralmente aceitas para os humanos, também não o devem ser para os animais não-humanos. Ou os seres humanos são coerentes e incluem os animais na comunidade moral, ou recaem em incoerência e perversidade por excluí-los e por infringir dor e sofrimento a esses seres que não desejam sentir dor e sofrer. Segundo Primatt, pertencer à espécie dos animais irracionais não é garantia da diminuição ou isenção da experiência da dor. Primatt não se refere aos direitos dos animais, mas ao dever humano de compaixão para com todos os seres vulneráveis à dor e ao sofrimento.
Linzey, analogamente a Primatt, nega que as diferenças na configuração externa do organismo de um animal possam oferecer algum fundamento moral para a discriminação. Além disso, segundo Linzey, a linguagem do direito não pode reivindicar ser abrangente, pois essa linguagem não reconhece palavras como “generosidade”, “respeito” e “compaixão” tão necessários quanto estar protegido por direitos. A palavra “compaixão” também é defendida por Primatt. Além de evitarmos o pior, devemos praticar o bem, em outras palavras, além de não causarmos dor e sofrimento aos animais, devemos agir com compaixão para com eles.
Richard Ryder corrobora alguns argumentos de Primatt e Linzey. Segundo Ryder, se aceitamos que é errado causar dor e sofrimento a seres-humanos, então devemos ter essa consideração para com os seres não-humanos, pois as evidências apontam que esses animais também são capazes de sentir dor e sofrer, afinal, essas espécies são conscientes de um modo similar ao nosso.
Ainda segundo Ryder, uma capacidade mental mais apurada representa maior responsabilidade e não o contrário. Mais uma vez ele reafirma o argumento de Primatt, que diz que o refinamento intelectual implica no dever do ser refinado em tratar bem os animais. Ryder, em acordo com Primatt, afirma que a visão antropocêntrica que considera a razão o critério responsável para selecionar os membros da comunidade moral é discriminadora.
Os animais devem ser respeitados pelo fato de estarem suscetíveis à dor e ao sofrimento, mesmo não sendo racionais. Já Peter Singer adota o princípio da igual consideração de interesses semelhantes, baseado no critério da senciência. Segundo Singer, a dor e o sofrimento destituem de valor a vida de um ser senciente, por isso devemos considerar os interesses desses seres capazes de sofrer.
Segundo Singer, nem mesmo os homens são iguais em sua estrutura física. Existem homens e mulheres, negros e brancos, pessoas saudáveis, deficientes físicos e/ou mentais, jovens e senis, isto é, há diferença na igualdade, e isso é extremamente incoerente. Essa discordância não pode ser considerada, pois um princípio para ser moral precisa de coerência. Essa é a mesma posição de Primatt. Singer, em acordo com Primatt, Linzey e Ryder, afirma que devemos levar em consideração os interesses semelhantes entre os homens e os animais que vão além dos aspectos físicos de cada espécie.
Devemos dar significância ao sofrimento animal e considerar como membro da comunidade moral não apenas os seres dotados de razão, mas os animais, que são seres sencientes. Segundo Singer, um animal pode ter sua moralidade ferida mesmo sem que para isso um ser humano esteja lhe causando dor. Podemos faltar com respeito ou consideração moral em relação aos animais irracionais pelo simples fato de deixá-los confinados.
Tom Regan também assume a mesma postura de Primatt ao afirmar que além da aparência exterior dos seres humanos e não-humanos, há interesses comuns a todas as espécies animais, que a ética não pode diferenciar. Além de não provocar dor e sofrimento nos animais não-humanos, precisamos orientar nossas ações para evitar qualquer tipo de dano a essa espécie de vida. Deve-se impor limites a liberdade humana, a fim de que os seres-humanos não tratem os animais como meros objetos, pois os animais têm valor inerente, e por essa razão devem ser respeitados. Por serem sujeitos de uma vida, devem ter sua liberdade e sua moralidade consideradas.