Nietzsche, Sócrates e os dois Testamentos
Este texto buscava apenas responder a uma questão da minha amiga Marguerite, mas ficou muito grande para a janela de comentários em seu espaço aqui no Recanto das Letras.
Ela me perguntou: “Você conhece a obra de Nietzsche? A lucidez de sua loucura...?”. Em seguida me indagou por que eu havia dado ao meu livro de poemas o título "O Velho Testamento".
Então, lá vai!:
O grande legado do cristianismo é a idéia da solidariedade, que não deve ser desprezada, embora venha sendo mal aproveitada ou não aproveitada. Penso que o cristianismo não teria adquirido tanta força, não fosse o grau de crueldade atingido pela civilização romana em seu ápice e depois decadência.
Nietzsche deplora o cristianismo por ter gerado um homem sem ímpeto, soterrado pela culpa e pelo medo, sob o tacão de um Deus punitivo. Em suas palavras “Deus é o homem que desesperou de si mesmo”. Em contrapartida, o filósofo-poeta propõe o super-homem, um ser humano dotado de grande energia e ciente de sua capacidade realizadora. O extremo de Nietzsche, no entanto, é a crueldade, da qual se aproveitaram os nazistas. Ao contrário do que se dissemina por aí, Nietzsche nunca foi nazista, mas o radicalismo de sua obra abriu esse brecha, assim como o cinismo, pelo que li, foi um aproveitamento da filosofia de Sócrates, empenhado na verdade a todo custo.
Nietzsche criticava Sócrates e Platão por causa da metafísica, que afastaria o homem do plano da natureza. O cristianismo, acreditava ele, era o “platonismo para o povo”. Pregava a idéia do “homem trágico”, fundado nas bases da poesia, do teatro e da filosófica pré-socráticas. Esse homem lançar-se-ía à vida para cumprir sua tarefa, sem maiores inseguranças, preparado para viver o bom e o ruim como parte do mesmo enredo.
Quando publiquei meu livro de poemas O Velho Testamento (1988), não sabia de nada disso. Mas é óbvio que a herança do cristianismo, traduzida nas obrigações do catolicismo imposto por minha mãe, sempre me parecera muito pesada. Ela tinha uma arca na qual guardava um exemplar do VT cheio de imagens terríveis: a expulsão do paraíso, a quebra das tábuas dos dez mandamentos, etc. Tudo isso impressionou a minha mente de criança do interior mineiro. E mais tarde viria à tona em forma de poesia.
Atualmente me esclareço mais e posso pôr tudo na balança: Cristo, o grande formulador e exemplo do homem solidário; Nietzsche, o pensador iluminado, criador de uma nova esperança para o homem natural; Sócrates, o argumentador fabuloso, etc, etc,. Tudo é uma questão de se abrir ao pensamento mais variado e temperá-lo com nossas próprias reflexões, nossa insubstituível visão própria do mundo.