Memória curta: Pernambuco esqueceu de festejar o 05 de junho

O pernambucano, especialmente o recifense, é um povo de memória curta ou não gosta de história. Está claro que 2022 foi o ano de comemorações de vários centenários, como o da Semana de Arte Moderna, dos nascimentos do escritor Otto Lara Resende (1922-1992), da cantora Dircinha Batista (1922-1999), do sociólogo Cândido Procópio Ferreira de Camargo (1922-1987), da apresentadora Bibi Ferreira (1922-2019) e do compositor Otto Enrique Trepte, mais conhecido como Casquinha da Portela (1922–2018). Mas outro centenário, não menos importante, foi esquecido: o raid da primeira travessia aérea do Atlântico Sul.

Foi justamente no Recife (PE), nas águas calmas do rio Capibaribe, proximidades do Cais de Santa Rita, que o hidroavião de fabricação britânica Fairey III-D Mk II, amerissou no final da manhã de 05 de junho de 1922. O fato fez da capital pernambucana testemunha de um feito da história mundial. O Recife era o primeiro ponto do continente tocado pela aeronave depois de percorrer os 8.383 quilômetros (4.527 milhas náuticas) que separavam o Brasil de Portugal, antes de chegar ao seu destino final: o Rio de Janeiro, então capital federal.

O feito concretizado era grandioso: a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. O hidroavião, batizado de Lusitânia, tinha no comando o aviador da Marinha Portuguesa, Sacadura Cabral e o navegador Gago Coutinho, que haviam partido de Lisboa em 30 de março. Chegaram no Recife em 05 de junho. Depois fizeram escalas em Salvador, Porto Seguro (BA) e Vitória (ES), até concluir o raid no Rio de Janeiro, então Capital Federal, a 17 de junho de 1922.

Naquela época, aviões eram veículos frágeis, sem recursos tecnológicos e inseguros. Por sua vez, os aviadores nada conheciam acerca do regime dos ventos, que facilmente poderia desviar a aeronave da sua rota. Aquela primeira travessia do Atlântico Sul foi o marco da navegação aérea, com a utilização do "sextante de bolha" e do "corretor de rumos" - dois instrumentos inventados por Gago Coutinho para auxiliar na viagem e que nas décadas seguintes foram aprimorados e utilizados nos aviões para voos de longo percurso, em especial sobre o mar.

A travessia bem sucedida inspirou a realização de outros raids, como os de Sarmento de Beires (primeiro a realizar a travessia aérea noturna do Atlântico Sul), Charles Augustus Lindbergh (primeiro voo solitário transatlântico sem escalas em avião) e do brasileiro João Ribeiro de Barros (travessia aérea do Atlântico Sul a bordo do hidroavião Jahú). Todos realizados em 1927.

O sucesso da empreitada foi o marco inicial para o impulsionamento da indústria aeronáutica, para o avanço na construções de aeronaves mais modernas e seguras; no desenvolvimento de pesquisas; no lançamento e aprimoramento de equipamentos de navegação aérea.

ESQUECIMENTO

Enquanto a Marinha e a Força Aérea portuguesas programaram diversos eventos ao longo de 2022 para comemorar os 100 anos da primeira travessia aérea do Atlântico Sul, no Brasil e especialmente no Recife, a façanha passou esquecida. Sem relatos e sem registros do governo do Estado e da prefeitura da Capital. A exceção foi o jornal Diário de Pernambuco, que fez menção a este importante fato histórico da aviação mundial. O DP publicou matéria no dia 27 de maio, da solenidade em homenagem a Sacadura Cabral e Gago Coutinho, ocorrida no monumento aos dois aviadores, na Praça 17, e da abertura da exposição "Travessia - 100 anos de uma epopeia nos céus do Atlântico Sul", no Gabinete Português de Leitura, na Rua do Imperador Pedro II.

Pela inexistência de eventos para relembrar e comemorar o primeiro centenário do feito, até parece que os esforços dos aviadores portugueses foram em vão; não tiveram valor algum. Mas prefiro acreditar que a falha se deve mesmo à pouca memória dos pernambucanos e dos políticos que os representam.