O HOMEM QUE NÃO PERDIA O CHISTE

     Neste sábado, ocorrerá um encontro dos amigos de um dos personagens mais impagáveis que já passaram por nossa “mui leal e valerosa” cidade de Porto Alegre. Será um momento de congraçamento dos admiradores do inesquecível professor Joaquim José Felizardo (1932-1992). Entre seus títulos, estão também o de escritor, cronista, administrador, orador e muitos outros. Homem de escrita, mas também de uma oralidade mordaz e arguta, com uma verve que o fazia proporcionar momentos singulares aos seus interlocutores, dos quais prendia a atenção com narrativas fabulosas e envolventes. O riso era garantido.
     Eu me tornei amigo do Felizardo apresentado pelo Arnaldo Campos, um escritor genial e generoso, para o qual advogaria depois em uma ação de reparação pelas perseguições injustas dos tempos da intervenção militar, novamente solicitada nos dias de hoje. Eu vinha do DCE da Fapa/Fapcca e tinha um acúmulo na organização de seminários. A Secretaria Municipal da Cultura (SMC), então dirigida por Felizardo, não tinha verbas orçamentárias. Juntamos as experiências e fizemos uma série de cursos pagos que capitalizou a SMC durante aquele ano, permitindo outras atividades, como a Noite do Livro. E eu me lembro com que orgulho o Arnaldo adimplia com seus pares e palestrantes: na hora, sem protelações, sem empenhos, sem burocracias.
     Pois bem, foi ali que estreitei minha relação com o Felizardo. De voluntário, ele me promoveu a um cargo de modesta e bem-vinda remuneração, já que todos recebiam e ele queria equidade na secretaria. Faria a mesma coisa com ou sem holerite. Eu estava no meu primeiro ano como professor e exercia minhas funções na cidade de Viamão. Quanta energia!
     Nesse convívio com o Felizardo, algumas situações ficaram clássicas, seja por reais, seja por folclore. Contam que ele teria dito: “Quando o Collares me convidou para ser secretário da Cultura, eu pedi três dias para pensar. A partir dali, passei a ser considerado o intelectual do PDT”. Outra pérola foi quando furtaram um veículo muito sucateado do Arnaldo, que lhe contou esperando solidariedade. Pois ele abriu uma das palestras de sábado, com um comentário insólito: “Vejam até que ponto chegou a miséria do povo brasileiro. Nesta noite, roubaram a Brasília do Arnaldo”. Risos gerais.
     Em 1990, era o favorito para assumir a Secretaria da Cultura do Estado no ano seguinte no governo de Alceu Collares. Dizem à boca pequena que um gracejo que ele teria feito lhe custou a honraria. Assim era o cruzeirense Felizardo: perdia o cargo, mas não perdia a piada.

 

Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 2.12.2022.

Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 30/11/2022
Reeditado em 10/12/2022
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