O Velado no Filme "O Feitiço do Tempo"

FATOS MOTIVADORES

Geralmente, quando não totalmente inventados pelo autor, os textos têm espécie de fatos motivadores e promotores de suas elaborações.

Poder-se-ia, com algum exagero, dizer que esses fatos motivadores, que instigam o autor a escrever, são a sincronicidade no dia- dia do autor. Sincronicidade, foi a designação dada ao princípio, descoberto pelo psiquiatra e pesquisador Carl Jung, que explica a relação significativa não causal de acontecimentos (coincidência significativa de dois ou mais fatos). A sincronicidade revela conexão significativa entre o mundo subjetivo (interior) e o objetivo (exterior).

Provocaram este artigo: objetivamente - o envio por amigo de vídeo do filósofo Cortella sobre o filme “O Resgate do soldado Ryan”, em que ele faz reflexão final sobre “se fazer o melhor”; palestra Ciência x Filosofia proferida pela física Iramar Rodrigues no 4º Congresso Internacional Online Eubiose, em que, num curto parêntesis, relaciona o filme “Feitiço do Tempo” com Reencarnação; e a apreciação do filme, de título original “Groundhog day”; subjetivamente - o grande interesse de escrever sobre temas que relacionem: ciência e espiritualidade; o mundo objetivo com o subjetivo, o visível com o invisível, o estar com o vir a ser...

O FILME

Feitiço do Tempo, título no Brasil ao original “Groundhog day’ (Dia da marmota). Classificado como comédia romântica, foi lançado em 1993, escrito e dirigido por Harold Ramis, e estrelado por Bill Murray (repórter Phil Connors) e Andie MacDowell (Rita – diretora da equipe de reportagem e interesse amoroso de Phil).

Phil Connors, egocêntrico, arrogante e insuportável repórter, que faz a previsão do tempo em Pitsburgh. Percebe-se como destinado a coisa muito maior do que sua tarefa, considerada por ele insignificante.

Escalado, juntamente com equipe, em que Rita é a produtora, segue muito contrariado para acompanhar a tradicional previsão de duração do inverno com a marmota (que não por acaso também se chama Phil), que acontece todos anos em 02 de fevereiro, na pequenina cidade de Punxsutawney.

O plano de Phil é voltar a Pittsburgh, mas nevasca o faz voltar e pernoitar na pequena cidade, na expectativa de voltar no dia seguinte. Ao acordar e escutar a mesma música e a mesma notícia, descobre que não é o dia seguinte. É o “Dia da Marmota”, novamente.

Por alguma razão, ele está preso em 2 de fevereiro, forçado a reviver o mesmo dia indefinidamente. Entretanto, essa condição é exclusiva dele. Somente ele vive essa situação, somente ele tem lembranças e consciência desse viver enclausurado.

Na condição de apreciador de filmes, caracterizei “o Feitiço do Tempo” como muito bem interpretado, mas um pouco monótono. O que motiva a indicação “não deixem de assistir” é a riqueza da metáfora contida, quando desvelada.

Comédia encena profunda metáfora que vela: por um lado aquilo dos homens não percebido pelos sentidos, a olho nu (o psicológico), no caso a alma (personalidade) de Phil e, por outro lado, a parte muito mais oculta, além da personalidade (alma), a individualidade, (o espiritual ancorado à personalidade), ainda não percebido nem pelos sensores mais avançados, e registrado pela Ciência Iniciática das Idades, como “aquilo que verdadeiramente somos”, individualidade.

Não são poucas as religiões e escolas iniciáticas que postulam a Reencarnação, ou seja, a individualidade, a essência espiritual, tem um itinerário (voltar à Casa do Pai) para realizar. Para tal, precisa transformar vida energia em vida consciência, por meio de experiências vividas como personalidades. Dentro desse contexto, cada dia da marmota revivido por Phil, corresponderia a uma dessas vidas experimentada, a oportunidade de acrescentar passos na sua peregrinação.

Já dentro do contexto restrito à personalidade, Phil, ao renascer em cada acordar, tem mais uma oportunidade para romper o comodismo dum viver rotineiro de hábitos, vícios, desatento e irreflexivo, de forma a livrar-se do “déjà vu” ou de “não houve um hoje”.

O VÍSIVEL É MANIFESTAÇÃO DO INVISÍVEL

Premissa da Ciência Iniciática das Idades utilizada para a percepção do entendimento da mensagem invisível, manifestada nas cenas (o visível) protagonizadas por Phil.

Como vencer uma vida limitada ao “dia da marmota”, ou como Phil romper aquela repetição de comportamento indesejável, presa a uma estrutura psíquica de armadilhas e gatilhos, ou como Phil cumprir seu itinerário evolutivo?

As transformações manifestadas pelo comportamento de Phil dão a resposta. Para isso basta fixar a observação, estar atento, durante o filme, nas alterações de relacionamento com seu sonho amoroso, a produtora da equipe Rita, com o mendigo, consigo mesmo e com seu trabalho.

A TRILHA EVOLUTIVA DE PHIL

A indiferença, a soberba, o egocentrismo, a antipatia e a solidão de Phil são surpreendidas e tocadas por um viver preso indefinidamente ao 02 de fevereiro, “dia da marmota”.

No início, prefere acreditar que é sua imaginação, que deve estar sofrendo algum transtorno e procura assistência médica – neurologia, psiquiatria, bem como testa a realidade, partindo em dois um lápis na noite anterior. Ao constatar o lápis inteirinho, ao acordar com a mesma música e diagnosticado como saudável, entende estar aprisionado por espécie de feitiço do tempo.

Num segundo momento, ciente de que somente ele vive aquela situação, sabedor de que irá acontecer, privilegiado em informações, resolve tirar todas as vantagens possíveis. Manipula pessoas e situações, para satisfazer seus sentidos e instintos. Continua passando indiferente pelo mendigo e a cada dia vai usando as informações obtidas sobre Rita nos dias anteriores, para impressioná-la e conquista-la. No seu trabalho segue o mesmo, haja vista que o operador de câmera continua chamando-o de “prima dona”.

O terceiro momento tem seu início, quando num “papo de botequim” com dois moradores da pequena cidade, Phil ao perguntar “se não houvesse manhã”, recebe como resposta: seria ótimo, poderíamos beber todas, pois não existiria qualquer ressaca. Passa, dentro do mesmo espírito a experimentar grandes riscos: dirige carro sobre a via férrea, indo ao encontro do trem; sequestra a marmota, a estrela do dia; rouba sacola de dinheiro da transportadora de valores. Quanto ao mendigo, continua indiferente.

Quanto à Rita, usa de grande artifício e consegue levá-la ao seu quarto, entretanto ao se comportar como adolescente, ansioso e agressivo demais para satisfazer seus desejos, tem um sonoro tapa como resposta. Esta cena do tapa é repetida várias vezes, para mostrar a estagnação de Phil.

O quarto momento e de total desespero de Phil e resolve convencer Rita da realidade que vive, dizendo-se como um “deus” conhecedor do futuro e prova fazendo a antecipação de tudo que aconteceria no ambiente público, em que se encontravam. Desespero que o leva a sucessivas tentativas de tirar sua própria vida, pois entende que seria a única maneira de romper aquela prisão ao “dia da marmota”.

O quinto momento tem início, ao concluir que, por não conseguir se matar, resolve aproveitar aquela oportunidade de eternidade de repetições, para tentar” fazer o melhor “. O melhor para consigo mesmo, com seu trabalho, para com o próximo, para amar ...

O tilintar das poucas moedas agitadas pelas mãos desesperadas num desfigurado recipiente metálico, daquele mendigo que lhe era indiferente, passa a ter como resposta um gentil bom dia e a esperada doação. Desenvolve empatia e passa a se interessar pelo próximo, tanto que quer inclusive saber o motivo de morte inevitável do mendigo. Ainda mais, utilizando-se do feitiço do tempo, adia sua morte para o dia seguinte e após lauta refeição.

No trabalho surpreende sua produtora e o operador de câmera, ao quebrar a rotina de indiferentes bom-dia e autoritários comandos operacionais, com contagiante bom dia. Ainda mais, acompanhado de cortesia com cafés e, antes de iniciar a reportagem de celebração ao “dia da marmota”, sugere ao operador onde julga melhor seu posicionamento. Seu dia de trabalho continua surpreendendo, em especial a produtora, quando acrescenta a seus textos técnicos e frios sobre as previsões climáticas, falar sensível, quase poético, sobre a importância do inverno.

Aproveita aquela tragédia de repetições, que se anunciava eterna, para desenvolver talentos reprimidos pela soberba. Aprende a esculpir em gelo, a tocar piano, bem como desenvolve empatia e compaixão, passando estar atento à necessidade de ajuda ao próximo, em situações de risco.

À noite, para encerrar as celebrações do “dia da marmota”, acontece tradicional baile que é interrompido com arrecadação de fundos assistenciais, com o não menos tradicional “leilão (simbólico) de solteiros”. Foi tão grande a transformação sofrida por Phil, que ele e mais outros três músicos são a banda voluntária responsável pela execução de música para o baile.

O dançar e o ouvir da boa música, com destaque para a excelente interpretação de Phil, é interrompida pelo mestre de cerimônia anunciando o início do leilão e convidando o solteiríssimo Phil para ser o primeiro a ser leiloado.

A concorrência é grande. Os sucessivos e crescentes lances., inclusive acompanhados de declarações de gratidão e admiração demonstraram o quanto Phil passou a ser querido. Phil é surpreendido pois Rita, com lance imbatível, declara ter, como contrapartida a transformação de Phil, alterado seu estado de desinteresse defensivo para outro, de abertura ao amor.

Rita e Phil iniciam sua vida amorosa naquela noite. Após ele fazer-lhe escultura do rosto em gelo, passearem pela neve até chegarem ao leito na pousada onde Phil se instalara, conversam, se deitam e Phil lhe faz leituras de poesias de autor admirado, por Rita. Ela adormece, e Phil também.

Ao acordar percebe que Rita continua a seu lado, a música não é a mesma, as notícias são sobre a celebração do dia anterior. Phil libertou-se do ciclo repetitivo, da tragédia de dormir e acordar no mesmo dia. Renascera para o amor e para um viver permanente de tentar sempre “fazer o melhor”.

CONCLUSÃO

Evidentemente, que devem existir muitas outras abordagens sobre esse filme, entretanto dentro desta, de forma detalhada desenvolvida nos subtítulos “filme” e “o visível é manifestação do invisível” as conclusões não trarão diferenças significativas.

Ao se considerar cada dia como uma vida de Phil reencarnada, então esse ciclo de vidas e mortes, somente se encerra, quando o trilhar de cada uma dessas personalidades, vivendo as respectivas reencarnações da Individualidade (Alma, Espírito, Consciência...) tiver completado o itinerário evolutivo, ou seja tiver “realizado o melhor”, tiver transformado vida energia em vida consciência, realizou-se o resgate cármico, o filho pródigo retornou à Casa do Pai, a Individualidade iluminou-se, passou a vibrar em frequências tão altas, que conseguiu voltar ao plano correspondente à essa vibração, morada das centelhas da Chama Divina...

Por outro lado, ao se considerar cada dia como realmente dia da vida daquele ego, denominado Phil, repórter, residente em Pittsburgh, solteiro, torcedor do Pittsburgh Steelers ...o ciclo sonos e vigílias sem alterar o calendário, somente findará quando da percepção de que o viver tem um propósito e, para realiza-lo, se faz necessário se estar permanentemente tentando “fazer o melhor”.

Mas o que seria o propósito da vida terrena, do viver dos egos, do viver de cada indivíduo da espécie humana? Evolução: desenvolver algum de seus talentos, harmonizar-se com a natureza, tornar-se capaz de amar e, no leito do rio das experiências e dos estudos, garimpar sabedoria e buscar a paz.

Mas por que esse esforço hercúleo? Porque cada ego, cada personalidade é operária na construção daquilo que verdadeiramente é, a Individualidade, energia (semente divina) que, ao ancorar-se na primeira personalidade (semeadura) iniciou seu itinerário de reencarnações e resgastes cármicos, até tornar-se pródiga e voltar à Casa Paterna.

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J Coelho
Enviado por J Coelho em 14/11/2022
Reeditado em 30/11/2022
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