AS PREMISSAS E OS INTERESSES
Já dizia Karl Marx que nunca se deve acreditar no que um ser diz de si mesmo. É isso que se pode associar à busca da verdade. A filosofia, tradicionalmente, diz que há duas formas de se produzir o conhecimento: a via empírica e a via racional. A primeira diz que a verdade vem por experiência sensorial e a segunda pela razão. Todavia, para isso, o ser, perante o esforço cognitivo, deve estar desprovido de prévia intencionalidade ou de pressa em defender seus interesses meramente pessoais.
Vejamos algumas situações. A filha de militar que recebe uma pensão apenas porque a legislação permite não tende a achar que comete uma imoralidade. O agro que produz e exporta para fora do país enquanto a população passa fome e necessidades ou que avança em áreas de preservação ambiental com grileiros oficiosos sempre tem um discurso meritório sobre si mesmo, sobre seu papel que seria louvável na economia do país. O membro da bancada da bala que se vale do orçamento secreto e que nunca apoiou um projeto social para crianças tem o discurso de que bandido bom é bandido morto, sem considerar que ele já foi um infante que poderia ter sido salvo da criminalidade com oportunidades, mas isso nunca foi tentado. O paladino da moralidade é aquele que usa verbas públicas em proveito próprio, como se faz nas famosas rachadinhas. O membro da igreja entende que os deveres dos fiéis com sua seita são mais importantes que os direitos garantidos na Constituição federal. Em resumo, e usando uma frase popular, mas muito verdadeira, cada um puxa brasa para o seu assado. O do outro que fique esturricado.
Quando alguém quiser lhe falar algo com pretensa isenção, indague-se sobre seus interesses primeiramente. Normalmente, as conclusões podem até derivar das premissas, mas as premissas derivam da condição material de um indivíduo sem alteridade.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 30.9.2022.
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