DA EDUCAÇÃO/ESCOLA/MARGINALIDADE EM SAVIANI

Compreender o fenômeno educação/escola/marginalidade é, de fato, um desafio constante. O texto: “As Teorias Da Educação E O Problema Da Marginalidade”, de Demerval Saviani, sem dúvida, nos auxilia bastante neste intento. Faremos, aqui, uma caracterização de cada segmento das chamadas “teorias não críticas”, levantando ainda o que elas entendem tanto por escola, como por educação. Num segundo momento, caracterizaremos as teorias do grupo “crítico-reprodutivista”, informando o significado de marginalidade e o papel da educação em cada uma.

Segundo Saviani, são três as correntes teóricas que compõem o que ele chama de “teorias não críticas”: a Pedagogia Tradicional; a Pedagogia Nova e a Pedagogia Tecnicista. De maneira geral, podemos dizer que para tais leituras a educação não passa de um fenômeno cuja finalidade, nas próprias palavras de Saviani, “é reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social”. Logo, são estritamente conservadoras.

Para a Pedagogia Tradicional, a educação é vista como simples instrumento reforçador dos interesses da classe dominante, ou seja, da burguesia. Assim, a compreensão de democracia passa, sobretudo, pelo que este grupo (burguês) apreende. Cabe à educação não só garantir o surgimento de uma sociedade “mais justa”, como ser mesmo possuidora de certa autonomia frente à sociedade. Portanto, à escola é relegado o papel de agente superador das ignorâncias, ou melhor, instruir, levar conhecimentos centrando, é óbvio, as ações na figura do professor, restando ao aluno assimilar tudo o que lhe for repassado.

A Pedagogia Nova, por sua vez, não só ataca os pressupostos da Pedagogia Tradicional, como muda radicalmente o enfoque educacional. Segundo seus teóricos, a verdadeira educação vai muito além de repasses de conhecimentos. Ela há de estar compromissada com a inclusão dos rejeitados. Portanto, educar é ajustar os sujeitos à sociedade na qual se encontram inseridos. Nas palavras de Saviani, “trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a aprender”. A função da escola seria estimular o aluno, a partir da própria iniciativa deste, tornando-se também um lugar dinâmico, alegre e multicolorido. Na verdade, como sabemos, a proposta “escolanovista” acabou se restringindo a experiências grupais cujos membros pertenciam à elite. Ao rebaixar a qualidade nas classes populares e aprimorar o ensino às elites, aprofundou ainda mais o fosso de estratificação social presente na realidade brasileira. Não era à toa que se ouvia: “é melhor uma boa escola para poucos do que uma escola deficiente para muitos”.

Por outro lado, a Pedagogia Tecnicista, alicerçada na idéia de que racionalidade e neutralidade geram eficiência e produtividade, defendia que a educação nada mais é do que treinamento a fim de que o educando possa ocupar seu espaço na chamada cadeia produtiva. Deste modo, tudo deveria passar pelo crivo do planejamento visando, até certo ponto, a uma espécie de “mecanização” do processo. Educação de qualidade é aquela que se amolda ao sistema produzindo elementos capazes de atuarem eficientemente. Portanto, não é outro o papel da escola senão instruir os educandos a fim de realizarem tarefas específicas na sociedade, ou seja, ela deve fazer com que o aluno aprenda a fazer. Enfim, na Pedagogia Tecnicista, os meios ocupam lugares de destaque no processo educacional, pois, tanto professores, como alunos, têm de se submeter às determinações que vêm dos especialistas, de seus planos, tidos como neutros e objetivos.

Cumprida esta primeira parte de nosso texto, analisaremos, agora, as chamadas “teorias crítico-reprodutivistas”, caracterizando-as, bem como salientaremos o papel da educação e o que, em cada uma delas, se entende por marginalidade.

Antes de tudo, tais teorias vêem a sociedade como algo marcado pela divisão em estratos sociais. Assim, a marginalidade nada mais é do que um fenômeno inerente à própria sociedade. De modo que a educação é vista como profundamente ligada e dependente dos mecanismos sociais exercendo, portanto, a função de reforçadora do sistema opressor. À luz destas teorias, não é possível compreendermos a educação sem nos retermos aos “determinantes sociais”. Segundo mestre Saviani, são também três: Teoria do Sistema de Ensino Enquanto Violência Simbólica”; Teoria da Escola Enquanto Aparelho Ideológico de Estado (AIE) e Teoria da Escola Dualista.

A Teoria do Sistema de Ensino Enquanto Violência Simbólica se caracteriza, basicamente, por tentar uma espécie de “explicitação das condições lógicas” válidas para todo e qualquer processo educacional, não importa onde esteja sendo vivenciado. Parte do princípio de que nenhuma sociedade se constrói fora de relações de “força material” entre as classes. Portanto, é fundamental que surja um mecanismo seguro de mascaramento dessas relações. Trata-se da “violência simbólica”.

Claro que a “violência simbólica” está presente nos mais variados organismos e segmentos sociais. Por exemplo, se espalha desde a moda até pregações religiosas.

Nesta perspectiva, a educação é entendida como mera “reprodução das desigualdades sociais. Pela reprodução cultural, ela contribui especificamente para a reprodução social”. Deste modo, a questão da marginalidade (excluídos) redunda na falta de “capital cultural” onde os grupos dominados permanecem em estado de exploração. Logo, o papel preponderante da educação é reforçar essa marginalidade através da dissimulação. Segundo esta teoria, não existe saída: a escola é um agente eficaz e eficiente de marginalização. Daí a afirmação sarcástica de Snyeis: “Boudieu-Passeron ou a luta de classes impossível”.

A Teoria da Escola Enquanto Aparelho Ideológico de Estado (AIE) se caracteriza, sobretudo, por apregoar que a educação é um processo de ideologização da sociedade. Numa sociedade capitalista, um dos instrumentos de reprodução mais poderosos, sem dúvida, diz tal teoria, é a escola. Cabe à educação inculcar em todos os educandos os ditos “saberes práticos”, segundo, é claro, a ideologia dominante. Vê no sistema produtivo um jogo de hierarquia educacional, isto é, existem os que completam a escolaridade básica, aqueles que interrompem a escolarização e aqueles que chegam ao vértice da pirâmide, estes, é óbvio, ocupam os postos de comando no sistema produtivo.

A marginalidade, nesta linha teórica, se dá na medida em que a escola exclui a classe trabalhadora de uma educação crítica e de qualidade. Melhor dizendo, a educação reproduz a realidade de expropriação dos trabalhadores pelos donos dos meios de produção, tentando fazer com que isso seja aceito como perfeito e natural. Vale então ressaltarmos que esta teoria defende que a luta de classes até pode ocorrer no interior da própria escola. Entretanto, trata-se de uma empreitada quase heróica, pois os resultados não são satisfatórios.

Por último, a Teoria da Escola Dualista advoga que a educação se processa mediante escolas subdivididas em dois grandes eixos. Tal ocorre em virtude da subdivisão própria da sociedade capitalista. De um lado, a burguesia, detentora do poder, e de outro, o proletariado. Em outras palavras, é impossível a unidade da escola. O que de fato acontece é, segundo Baudelot, “o aparelho escolar, com suas duas redes opostas, contribuir para reproduzir as relações sociais de produção capitalista”. De modo que cabe à escola duas responsabilidades: de um lado, formar a força de trabalho e de outro, inculcar a ideologia dominante (burguesa). Mesmo admitindo a existência de uma ideologia dos dominados, esta prolifera fora do âmbito escolar. Assim, a escola deve, conforme Saviani, “impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária”.

A marginalidade, neste caso, se configura no seguinte: os operários devem ser convencidos de que os subprodutos da cultura burguesa servem também aos seus interesses e os proletários precisam representar “sua condição nas categorias da ideologia burguesa”. Portanto, demarca-se o processo de marginalização inserindo todos que ingressam no sistema de ensino numa só dimensão ideológica. Diferente da teoria anterior (AIE), não existe nenhuma possibilidade para que a educação sirva de instrumento de luta do proletariado. Eis por que Snydeis, ironicamente, a sintetiza: “Baudelot-Establet ou a luta de classe inútil".

Ao estudarmos, enfim, referidas teorias, como já assinalei, nossa compreensão sobre tais fenômenos (Educação/Escola/Marginalidade) não apenas se amplia, como nos subsidiamos para pensarmos mais profundamente e com maior segurança tão complexas relações.