COM O PASSAR DOS ANOS
Dia 28 passado completei 78 anos e, com o passar do tempo passaram também o que considerávamos boas práticas.
Vimos que os costumes foram alterados e os valores éticos deixados de lado numa velocidade estonteante acionada por novas tecnologias, novas palavras ou significados novos para as antigas como aconteceu com a palavra “curtir” que antes só era utilizada para referir o beneficiamento de peles animais para uso humano, hoje é concordar com algo, achar bom, o mesmo que elogiar...
Eu vi morrer o telegrafo, aquela comunicação jurássica feita com enormes sequências de traços e pontos, assim como o telex, cuja máquina se ligava sozinha no meio da noite para desespero dos vigilantes medrosos, a rádio foto e a impressora matricial com as indispensáveis caixas de formulário contínuo com carbono.
Vi nascer a televisão no Recife, minha cidade natal, pelo canal 2 da TV Jornal do Commercio (sim, era escrito com dois emes e sem o acento agudo próprio das proparoxítonas) com espetáculo do pianista Valdir Calmom cujo piano tinha um teclado extra para órgão, quando tocava o Samba do Arpege. Tudo em preto e branco com direito a chuviscos e rolagem vertical das imagens nas telas dos tubos de imagem, grandes, da melhor marca da época, a Telefunken. Hoje os aparelhos de TV têm tela de plasma, com pouco mais de 1cm de profundidade, podem ser minúsculas ou ocupar a totalidade da parede, operadas por controle remoto, alimentadas ou por antena telescópica ou fibra óptica, mas todas elas com imagens de alta definição, sem rolagens, chuviscos ou deformações.
Os jornais dos domingos eram pesadões, vários cadernos com as crônicas dos jornalistas mais destacados da época, eventos literários, classificados com oportunidades para as compras de tudo e qualquer coisa. Havia inclusive um linguajar próprio para economizar espaço e se pagar menos pelo anúncio do tipo: vd. C. conj. 2q. sal. coz. banh. dep.emp. trat:1234 (vendo casa conjugada, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, dependência de empregada, tratar pelo fone 1234); PUFord/65, 10mkm, u.dono (Pick Up Ford, ano 1965, 10 mil km, único dono) e as joias da coroa; vd tel.bv.aç.telpe.trat.fon1234 (vendo telefone na Boa Vista com ações da Telecomunicações de Pernambuco, tratar pelo fone 1234).
Traziam também as programações dos canais de TV (que funcionavam a partir das 18h), dos filmes em exibição nos diversos cinemas do centro (os dos bairros não tinham dinheiro bastante para fazer propaganda), caderno infantil, as palavras cruzadas daquelas que precisávamos procurar os sinônimos no Aurelião e o especial Segundo Caderno, onde se reportavam os principais acontecimentos no Brasil, noutros países e no Mundo Social, com fotos das pessoas de destaque, artistas ou personalidades que, de alguma forma, despertasse o interesse do público com os comentários dos jornalistas mais importantes ou personalidades do mundo das letras, juristas renomados e as contribuições dos assinantes e leitores comuns nas – Cartas à Redação. Havia também o obituário para tornar púbico o falecimento de figurões ou qualquer camumbembe.
Confirmar a veracidade de qualquer notícia era trabalhoso, mas com as pesquisas que tínhamos que fazer, sabíamos com exatidão a raiz dos acontecimentos, coisa que hoje em dia, foi deixada de lado.
Hoje a urgência na distribuição de informações, a superficialidade dos conteúdos e a falta de compromisso com a realidade dos fatos criou o que chamamos de narrativas (outra palavra que teve o verdadeiro significado alterado), que nada mais é do que a interpretação pessoal, que qualquer um, independentemente de qualquer confirmação, lança para conhecimento do público, geralmente, desinteressado. Eu acho que é assim e é assim que vou transmitir para os demais e ponto final.
Depois, quando e se o fato real é esclarecido, o autor da “narrativa”, sem se ruborizar, não volta ao assunto nem dá ao desmentido o mesmo destaque da “fake news” que é outra palavra adotada sem nenhum constrangimento linguístico.
Especialistas disseram é uma boa desculpa para se eximir da responsabilidade sobre a notícia, pois nunca tivemos uma safra tão grande de especialistas sobre qualquer coisa, mas para o mal da classe, sempre dão com os burros n’água...
Os telefones de mesa, com monofones grandes e pesadões (geralmente pretos) foram substituídos pelos aparelhos celulares que começaram grandes, como adobes de construção civil com antena telescópica.
As cargas das baterias removíveis duravam pouco interrompendo ligações.
Geração após geração foram diminuindo de tamanho e acoplando novas funções como: relógios; despertadores; toques diferenciados para cada função; localizadores GPS; mapas; gravações de voz e imagem com transmissão imediata; previsão do tempo; seleção de músicas favoritas; compra de mercadorias e serviços; canais de rádio e TV enfim, todas aquelas facilidades que sonhávamos ter quando víamos nos desenhos animados da Família Jetson, agora, quase todas elas estão à disposição, bastando para tanto baixar o aplicativo na loja virtual e dar alguns clics. O carro voador dos desenhos aminados, surgirá a qualquer momento devido ao acelerado desenvolvimento dos drones que já fazem entregas de mercadorias em domicílios.
Hoje em dia, com o uso das redes sociais, recados escritos, falados ou emojis, raramente se faz ligação telefônica.
Ninguém mais precisa comprar aquelas câmeras fotográficas, grandalhonas, caríssimas, importadas da Alemanha ou Japão, que exigiam conhecimento de propagação de luz, uso de lentes e filtros, abertura de objetivas para captura da melhor imagem em ambientes abertos ou restritos, com ou sem flash.
Os que viveram nos anos 80 hão de lembrar das câmeras LOVE que eram trocadas por novas quando levávamos para revelar e dispensavam os carreteis de filmes para 12 ou 36 fotos que, via de regra, na semana seguinte em vez das fotos, recebíamos a decepção por termos perdido os registros dos melhores momentos, quando não, o filme por inteiro que não pôde ser rebobinado por pane no mecanismo da câmera, que passava a maior parte do tempo inoperante, por conta do custo elevado para o hobby de captar instantâneos que, em raríssimos casos, rendiam uma boa grana.
Isso tudo ficou no passado porque hoje basta focar com o telefone celular que ele, sem a nossa participação, fará a foto, ou sequência delas, para escolha da melhor.
Fato relevante sobre a maravilha que é essa tecnologia aconteceu dia desses em que estávamos esperando a saída do ônibus de excursão na Av. Vergueiro (Centro de S. Paulo/Capital) quando uma “bola marrom” pregada na parte de fora do beiral do teto da varanda do 12º andar de prédio comercial, no outro lado da rua, chamou a minha atenção, porque a curiosidade de “como e por quê das coisas” é parte integrante e inseparável de se ser Biólogo.
Bola pendente em beiral é algo contra a lógica da gravidade. Para sanar a dúvida, a minha esposa, focou na imagem depois do clic, apesar da distância (talvez mais de 100 metros), na imagem capturada com zum automático, conseguimos identificar que a “bola” era colônia de marimbondos de fogo com todos os detalhes, inclusive as antenas das valentes sentinelas dispostas a ferroar, dolorosamente, qualquer um que ultrapasse a linha de segurança da sua rainha-mãe.
Entretanto, o que nos deixa amargurados é o sentido contrário que o social está trilhando em relação à ciência e às novas tecnologias.
As escolas, seguindo a orientação equivocada do “patrono da educação brasileira” negligencia a formação básica da linguagem e das ciências exatas para dar ênfase às “ciências sociais” com militância política de esquerda desde a mais tenra idade, alimentando a falácia do progresso e do bem-estar social através do monitoramento estatal, das altas cargas de impostos ao setor produtivo, fim da propriedade privada, censura, boicote à livre iniciativa e dependência financeira em programas assistencialistas, além da manutenção de ditadores em postos de mando.
A altivez das pessoas, sua autodeterminação e o “sangue nos olhos” para enfrentar as adversidades, foi substituída pelo “sangue de barata”, pela frouxidão do vitimismo ao recorrer às instituições para resolver as pendengas que antes se resolvia numa boa briga de rua, nos tabefes na cara do adversário, nas trocas de ofensas pessoal ou às mães dos brigões, que via de regra, redundavam em reconciliação, respeito mútuo e grandes amizades.
O cidadão honesto está em prisão domiciliar por conta da bandidagem que é considerada vítima da sociedade burguesa e recebe todo apoio da justiça. A polícia é criminalizada e o criminoso é aclamado como “guerreiro, herói do povo brasileiro”. Minimiza-se a delinquência dos jovens ladrões de celulares. (Ainda bem que a maioria dos ladrões, principalmente, os de pés rapados têm vida curta, mas os canalhas de colarinho branco, envelhecem como qualquer gente decente).
Sentir-se ofendido é o prato do dia para tudo.
Há que se respeitar o direito do indivíduo ser o que ele quiser ser, mas não é cabível aceitar como normais as aberrações dentro do contexto social ou biológico.
Essa interpretação equivocada criou a indústria das indenizações por conta de palavras ou atitudes que se possa enquadrar numa dessas “fobias” sem qualquer amparo na razoabilidade.
Instituiu-se a dicotomia preconceituosa do: nós contra eles; preto contra branco; pobre contra rico; sulista contra nortista; hétero contra homo, como se na natureza houvesse apenas dois lados.
Ignora-se a certeza de que no convívio humano, assim como na propagação da luz, há incontável número de tonalidades entre os extremos preto na ausência e o branco na reunião de todas as cores.
GLOSSÁRIO
Emoji = carta de imagem, do japonês em tradução livre. Carinha que expressa sentimento.
Família Jetson = Desenho animado, criação de Hanna Barbera.
Sangue de barata = falta de reação, covardia
Sangue nos olhos = macheza, disposição, valentia