ONTEM, O COLIBRI
Ontem um colibri veio até a janela. Eu estava com minhas mãos postas ao vidro. Ele chegou naturalmente, como se pressentindo minha presença e deixando-me a simetria de suas asas.
Não lhe dei um nome. Não quis tocar-lhe de imediato. Fiquei observando, entre um movimento e outro, parecia que me notava.
E para minha percepção, era como se tivesse vindo a mim, não porque era eu a sobra do tempo que lhe restava, mas sim, por alguma razão, estava criando um momento no qual me agraciava com seu existir.
Não desejei inquiri-lo, embora desejasse saber por quantas portas havia voejado ou em quantas árvores tinha abrigado seu percurso.
Permanecemos calados, apenas percebendo um ao outro, delicadamente sorvendo aquele instante.
Embora o desejo de guardá-lo fosse enorme, não me atrevi em convidá-lo a hospedar-se.
Não se elabora intimidades com persuasivas. A morada que habitamos é a que permanece aberta no peito.
O melhor pensei, seria deixar que acaso um dia, ele sentisse a espontânea necessidade dos que se sentem atraídos, que a mim tornasse e em seu calendário de voo, não fosse eu um acidente de transcurso.
Após alguns minutos soprou o vento. Ele sacudiu seu corpo, como que expelindo sobras de vôos passados. Mas ali continuava e comecei a perceber a variedade de sua plumagem.
O tom violeta que antecedia e recobria seu pequeno olhar, o amarronzado misturado ao verde brilhante, nas tonalidades entrecruzadas e contornadas por suas penas tufadas, confundia-se com sua cauda longa estendida.
Mas o que mais notei é que ele podia voar para frente e para trás sucessivamente. Tinha desenvolvido essa habilidade tão essencial as criaturas. Voltar-se para o antes sem perder o rumar à frente.
Foi uma fração minúscula do tempo para ser guardada na memória. Como são as pequenas porções dos afetos dignificados pelos abraços que sem palavras, nos enlaçam no absorvimento.
Então, soprou mais fortemente a ventania e ele partiu avoando, mas num instante retornou, abriu mais uma vez suas asas, se contornando num semicírculo, como se dizendo que a liberdade está, em que podendo ir-se, escolhe-se voltar.
Decidi celebrar esse colibri como uma afeição. Dessas que podem tornar nossas manhãs banhadas de um azul céu reluzente, que se comove com as nuvens, importa-se com o raiado do sol e com a mesma perspicácia abençoa a calmaria e enfrenta as turbulências.
Eu estou aprendendo a linguagem dos que aguardam. Deixei meu olhar na janela a sua espera.
Caso retorne e decida pousar em minhas mãos, talvez num entardecer mostre-me como voar para dentro, onde a trajetória do afeto cultivado nos ensina seres de um desejar alado.
Carlos Daniel Dojja