Obsceno ou libertário?
Quando uso palavras obscenas em meus textos eróticos não estou atrás de um efeito fácil ou sendo apelativo para chocar os que me lêem. Trata-se de um atitude libertária para comigo mesmo e para com o meio em que vivo.
A nossa sexualidade é muito complexa, como fruto de nossos próprios instintos, da criação que tivemos e da cultura à nossa volta. E esta última é uma teia de relações de toda ordem (culturais, econômicas e políticas), de modo que temos um controle mínimo sobre o que acontece com nosso corpo. Estamos sujeitos a manipulações sutis; muitas vezes obedecemos certos preceitos sem mesmo nos darmos conta disso.
O ideal é que nos esclareçamos, de maneira a chegarmos a um comportamento que espelhe nossa essência e escolhas sociais mais apuradas. E para isso não há outro remédio senão cultivar a reflexão, a leitura e o debate.
Não acredito em metade do que vejo por aí em matéria de comportamento. Tudo é parte de esquemas de inserção social, pressões familiares, interesses de grupos. Ando pela rua e vejo as mulheres com suas calças de cós baixo, as blusas mostrando a barriga e as ancas tatuadas. Não é uma visão maravilhosa? Só que elas estão o tempo todo ajeitando aquilo, numa demonstração de que se sentem expostas. Mesmo assim não deixam de comprar as tais roupas, por imposição da moda. E a moda é, cada vez menos, reflexo de necessidades coletivas, e cada vez mais uma ordem de compra. É, além disso, uma determinação cultural ou comportamental com objetivos ao mesmo tempo econômicos e políticos amplos - o principal deles, neutralizar consciências mantendo a sociedade num estado de excitação sexual diária. Consciências neutralizadas questionam menos o sistema e compram mais.
Ao caírem no jogo da sedução imposto pelo mundo da moda (uma das pontas ultra eficientes do sistema capitalista), as mulheres cooperam para que a sociedade esteja voltada a um pique de diversão e consumo em alta escala. Vamos ver as coisas do ponto de vista real: nem sempre as mulheres estão dispostas a seduzir. Ao contrário do homem, a mulher em geral passa por ciclos: menstrua, engravida, preocupa-se com filhos, com a família. Mas a moda tem ordenado a ela que seja a fêmea sedutora o tempo todo. Assim todos ficam excitados e compram mais. E não se sentem estimulados a tirar do poder caras como Bush, Blair - só pra falar nos de fora.
Houve uma curiosa mudança cultural de meados dos anos 80 para cá, sempre a partir do centro para a periferia do sistema capitalista: a ênfase na bunda como a parte do corpo que comanda o espetáculo da sexualidade - embora muitas calças femininas atualmente tenham um recorte que exibe claramente a região pubiana, o que tem dado à mulher, e provocado nos homens, uma forte sensação de poder. Mas essa ênfase na bunda à qual eu me referia é até mais importante para o sistema, porque originariamente a dominação da mulher e dos machos mais fracos pelo chefe dos clãs de primatas dava-se pelo poder que estes tinham sobre essa parte do corpo de seus comandados. Vi um documentário que mostrava bem isso. Num desses clãs, o macaco dominante postava-se num descampado à espera da fila meio desorganizada de fêmeas e outros machos que passavam à sua frente, davam uma paradinha e abaixavam-se, exibindo o rabo.
Esse vídeo é uma preciosidade, pois demonstra claramente a minha tese de que, ao buscar se impor em sua fase mais avançada, o capitalismo foi buscar o que há de mais primitivo em nós. Estamos literalmente abaixando o traseiro, em sinal de obediência ao sistema econômico.
Apesar do inusitado dessa interpretação, é bom lembrar que o órgão escretor, oculto sob as nádegas, está intimamente ligado a reações bio-psíquicas relacionadas ao poder, à sobrevivência e à sustentabilidade. Freud, que aqui não me canso de citar, mencionou as fantasias das crianças acerca de suas fezes, que seriam sentidas como algo precioso e necessário à sua sobrevivência. Da propensão a retê-las adviria uma relação neurótica em relação ao dinheiro, como é o caso dos avarentos. E não podemos nos esquecer, de outro lado, que o ânus, em conexão com o sistema intestinal, reaje a nossas manifestações de medo extremo, o que me faz pensar sobre toda uma ancestralidade em que o poder do macho mais forte exercía-se nesse âmbito. Ficando apenas no terreno da cultura popular, é comum a expressão "sentar no colo do chefe", como significado de punição ou bronca por erro ou inépcia.
Mas se nos tornamos mais servis em relação aos mais poderosos, voltamos nossa agressividade contra nossos iguais, respondendo às ordens do sistema para competir com eles e, principalmente, vencê-los. Para isso, fazemos qualquer negócio. O ideal é ter uma pick-up robusta, onde nos ocultamos por trás de vidros fumê e falamos no celular hig-tech. Avançamos para o futuro? Tecnologicamente, sim. De outros pontos de vista, não.
Nos últimos anos, a mulher tem feito uma aliança com o sistema, que lhe ofereceu munição na briga com os homens, o que inclui o cartão de crédito. Desejosa de espaço no mercado de trabalho, têm-se mostrado profissionalmente mais dinâmica, e também mais obediente, além de servir de veículo para idéias transmitidas a partir da indústria da moda e correlatas. Os meios de comunicação lhe ofereceram mensagens úteis, como independência e poder, ao mesmo tempo em que enfraqueceram o homem, feminilizando-o a ponto de gerar um grande contingente de homossexuais. Isso criou uma idéia de equilíbrio na guerra dos sexos, mas um equilíbrio favorável ao esquema de consumo, e não às relações entre homens e mulheres, que estão cada vez mais difíceis.
Diante de todo esse quadro, o que é mesmo nosso?
Se o mundo antigo nos reprimia e precisava mudar, o que aconteceu que o mundo atual ainda não está a nosso favor? A resposta é mais política do que de qualquer outro tipo.
Mas voltemos ao terreno da sexualidade. Para sermos felizes nesse campo, teremos de voltar à natureza. Não guiados pelos interesses econômicos, mas por nós mesmos, pela nossa sensibilidade, por uma busca instintiva com nossos parceiros.
Teremos de descobrir o quê, em matéria de movimentos, gestos, sons e palavras vai tornar nossas relações mais gratificantes e duradouras. Os jogos na cama não precisam repetir os passos que homens e mulheres dão em busca de suas conquistas no mundo sócio-econômico. A natureza, ou o instinto, exige o seu quinhão, assim como a civilização o seu. Conheço mulheres que não têm orgasmo por resistirem a serem "subjugadas" por seus homens. É um medo pertinente, mas que precisa ser vencido. A mulher já pode hoje ter um papel ativo na sociedade, sem que deixe de dar-se a seu homem de uma forma prazerosa. Isso inclui até tomar mais iniciativas na cama. E o homem já pode abandonar o velho modelo de manter a mulher sob controle nos dois ambientes, repartindo com sua companheira uma intimidade maior. Dá trabalho mesmo. É preciso pensar, ler, discutir e experimentar.
A mulher, embora tenha se liberado nos últimos anos, ainda é presa de muitos condicionamentos. Tem dificuldade em conciliar os papéis de fêmea fornicadora e mãe. Isso decorre das amarras do cristianismo. A Virgem é o modelo a que as mulheres recorrem diante dos abismos da sexualidade. Mas vejam que a armadilha da luxúria foi montada pela repressão sexual, assim como as perversões. Por isso muitas mulheres pedem palmadas ou coisas assim para se entregarem e obterem prazer sexual. Esses ingredientes às colocam novamente em plano com a natureza e momentaneamente fora dos ditames da religião. (Tenho pessoalmente recebido apelos diretos ou indiretos para me utilizar desses truques).
Se quisermos nos livrar da luxúria e das perversões, precisamos reconhecer o que reclama nossa natureza e dar a ela o que for possível, já que agora evoluímos a um ponto sem retorno na estrada da civilização e da cultura. Isso pode incluir gestos ou palavras que consideramos obscenos por força dos costumes que herdamos. O importante é que aprendamos a nos conhecer, a nos gratificar e a nos respeitar, cuidando ainda dos frutos dessas relações, que são os nossos amados filhos, hoje tão entregues à própria sorte.
E para não dizer que estou aqui relegando os homossexuais a um gueto, quero dizer que sou a favor dos direitos civis e da liberdade de comportamento dos homossexuais. Mas sou contra uma ideologia gay, por entender que se presta ao mesmo jogo de dominação capitalista que tem transtornado a vida de homens e mulheres. Se a natureza criou seres que não se enquadram numa definição sexual rígida, quem é que pode ir contra a natureza? Mas a cultura e as relações familiares doentias também têm contribuído para o surgimento de seres humanos altamente divididos.
Como podem ver, está nas nossas mãos mudar o mundo a nosso favor. E não há outra maneira, a não ser tirando o poder que atualmente está com os donos do grande capital financeiro e seus títeres: redes de comunicação, publicitários, estilistas, produtores, DJs, etc. E nos instruindo, nos ilustrando.
A liberdade nasce do conhecimento, e não há conhecimento sem esforço.