A CONSTITUIÇÃO QUE NÃO FOI ENTREGUE

     O Brasil passou mais de duas décadas sob um regime autoritário e parte dessa história pode ser vislumbrada a partir da margem do rio Guaíba, com a contemplação da Ilha do Presídio, que é um documento pétreo remanescente de um tempo turvo da nossa trajetória nacional a que precisamos estar atentos para que nunca mais se repita. Se olharmos para nossa história republicana, veremos que ela nem é tão republicana assim. Evocando juízos abalizadores, como o do historiador e cantor Marcus Morais, guaibense de escol, constato que foram poucos os períodos em que, neste país de elites nervosas e manipuladoras dos anseios populares, tivemos uma normalidade democrática.

     Nos anos 80, conseguimos, enfim, devolver os militares para os quartéis. Nesse entremeio, precisávamos de uma nova Constituição, que garantisse os direitos humanos, equacionasses as disparidades socioeconômicas e garantisse o poder civil periódico estreme de golpes e quarteladas, tão comuns no Brasil e na América Latina. Isso em parte foi atingido, mas, no essencial, permanecem desigualdades que constituem uma dívida histórica. Uma delas é que, não obstante termos uma democracia formal, com eleições universais, não temos uma democracia real. Basta dizer que seis pessoas têm a renda de cem milhões de brasileiros. Assim, pode-se dizer que a Constituição atual garantiu sua própria institucionalidade por um tempo recorde até hoje. Todavia, sofre de um vício irreparável, algo imutável na moldura normativa de Hans Kelsen.

     O vício de que falo é que temos uma Constituinte congressual, que, em última instância, atende apenas aos interesses da casta parlamentar. Um exemplo é o fato de a regulamentação do artigo que trata da taxação das grandes fortunas ter ficado para as calendas gregas. É por isso que lutamos, na época, por uma Constituinte exclusiva, que não fosse um apanágio ad infinitum para um Congresso Nacional pouco afeito ao interesse coletivo. Perdemos. Até agora.

 

Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 3.6.2022.

Landro Oviedo
Enviado por Landro Oviedo em 05/06/2022
Reeditado em 05/06/2022
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