O MACHISMO FEMININO
O mundo em que vivemos não pode ser acessado senão por uma representação que fazemos dele. O desafio é criar uma sintonia entre essa visão representativa e o mundo de fato. No período pré-socrático, o mundo era explicado por narrativas míticas e era em muito obra de deuses irascíveis. A filosofia avançou e as explicações antropocêntricas foram ganhando assento. Todavia, essa compreensão enviesada da realidade nunca nos abandonou e faz parte mesmo da porção humana de todos nós.
Com relação ao machismo, não é diferente. A maioria minoritária, que são os homens, impuseram às mulheres uma submissão milenar, com um patriarcado eficiente para manter uma dominação em tudo conveniente, notadamente para acumular bens, propriedades e prole apta a herdá-las, além dos benefícios de um trabalho doméstico hercúleo e não oneroso. Por sua vez, a minoria majoritária, que são as mulheres, incorporaram valores adversos, muitas vezes, como estratégia para sobreviver nos clãs e nas sociedades. Em geral, seus ideais de vidas eram pautados pelas imposições de seus progenitores e ascendentes.
O filosofo francês Pierre Bourdieu lança uma semente de dúvida na autoria do arcabouço da reprodução ideológica do machismo. Ele lembra que todo homem machista é criado por uma mulher. Assim, elas não podem negar que fazem parte da formação de uma ideologia de um ser que vai reproduzir os valores dominantes. Não se está aqui responsabilizando as mulheres pela predominância dos valores masculinos, mas há que se realizar uma reflexão sobre qual é a medida exata do seu contributo para tanto.
Parafraseando Belchior, as mulheres ainda criam filhos e filhas à imagem e à semelhança de seus pais e avós. E apesar de terem feito tudo o que fizeram. Ainda bem que não são mais as mesmas porque resta muito por fazer.
Jornal Nova Folha, Guaíba-RS, 13.5.2022.