ONTOLOGIA DA ARTE

O que leva o bicho homem produzir arte? Minha resposta mais imediata a tal questão é que o homo sapiens é um ser dotado da consciência de sua existência ou, como diz Voltaire, "a espécime humana é a única que sabe que tem de morrer". Não bastasse isso o homem se inquieta frente a tantos fenômenos que o circundam - o que fez Pascal a se indagar e responder: "o que é o homem na natureza? Um nada em comparação com o infinito, um tudo em face do nada, um intermediário entre o nada e o tudo." Imerso neste imenso mundo o ser humano sofre o sofrer de se saber viver. Inquieto, aflito e desassossegado o homem se expressa e se comunica com os outros homens. Beneficiado pelo desenvolvimento da linguagem ele fala, gesticula e se manifesta; sente e se expressa. Cria.

Arte é um termo que vem do latim Ars, cujo significado se traduz por habilidade. Em sentido latu tudo que o ser humano produz, inventa ou cria sua visão de mundo (real ou fruto de sua imaginação) podemos chamar de arte. O caráter único e diferente de cada obra artística se dá pelo simples fato de que o processo criativo iniciado pela percepção (proprioceptiva e/ou exteroceptiva) tem o intuito de expressar direta ou indiretamente emoções e ideias (subjetividade). Em sentido stricto a definição do que é arte e do que não é arte vai variar em conformidade à época e à cultura.

Ah! o que seria da arte sem a inquietude? Aliás, o que seria do bicho homem se ele não fosse psicologicamente inquieto? Bem provável que ainda estaríamos morando nas cavernas de nossos ancestrais. Somos, decididamente, inquietantes inquietos. Nunca estamos totalmente satisfeitos. Necessitamos sempre ir além do oferecido; lançar-nos à frente; pensar e buscar o futuro. Nossos voos têm raízes em nosso próprio anseio em voar. Ou como escreveu Bachelard: "a imaginação quer sempre sonhar e compreender ao mesmo tempo, sonhar para melhor compreender, compreender para melhor sonhar."

Em seu livro "Arte, Dor - Inquietudes entre Estética e Psicanálise", Frayze-Pereira destaca que entre a dinâmica da presença e a ausência do sensível, a experiência estética é vizinha da experiência psicanalítica no que tange (em suas palavras) à "silenciosa abertura ao que não é nós e que em nós se faz dizer".

A beleza está em toda parte, já dizia Rodin, que continua, "não é ela que falta aos nossos olhos, mas nossos olhos que falham ao não percebê-la". Alguns poderão afirmar que Estética é a ontologia do belo, isto é, um estudo das sensações - por isto seu caráter subjetivo. Lembremos que o ser humano tem uma necessidade do outro, afinal ser significa "ser para o outro". Ao possuir a capacidade de questionar o ser de si e do outro o ser é um "ser-aí-no-mundo" (dasein) e o ser que se forma humano em um corpo humano advém desta intrínseca relação entre o mundo interior e o mundo exterior. Com o olhar de si e o outro do outro ambos os mundos se comunicam.

Aprimorar os sentidos sobre a condição humana é educar-se esteticamente. A educação estética, diz Solange Jobim e Souza, no livro "Subjetividade em Questão: a infância como crítica da cultura", forma pessoas mais capazes de criar um modo novo de se acercar da verdade que se esconde nos objetos, nas paisagens e no próprio rosto ou olhar de uma outra pessoa. Lembremos que arte é expressividade, um fazer expressivo. Um objeto artístico, seja ele qual for, é sempre algo ou alguma coisa que contém vida e seja qual for a sua forma ele sempre tem algo a dizer, nem que seja até sobre o nada. É como diz os seguintes versos de Jorge Luis Borges: "Por vezes à noite há um rosto/Que nos olha do fundo de um espelho/E a arte deve ser como esse espelho/Que nos mostra o nosso próprio rosto".

A beleza de um objeto artístico não se resume ao objeto em si, mas acima de tudo à psicologia do artista que o faz e do expectador que a aprecia. Por isso diz Fernando Pessoa que "a arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação". Assim uma obra de arte pode nos remeter tanto à elevação da alma quanto a seu aprofundamento; ambos inclusive. A estética, como termo, vem do grego aisthésis, que significa percepção, sensação. Representa, pois, a produção das emoções e sentidos humanos através do fenômeno estético, fenômeno este que nos diferencia dos chamados outros animais.

Se para uns a arte é um meio catártico de escape, para mim e outros tantos a arte é primordialmente uma necessidade fundamental de aprimorar o ser para ser melhor o que se é. Além de um condutor de expressão da experiência da vida, a arte é a própria vida expressada - afinal a vida, ela mesma, é uma própria obra de arte. Sentir a vida e traduzi-la, creio que responde ao poeta Ferreira Gullar: isto é arte.

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 10/03/2022
Reeditado em 10/03/2022
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