A minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento
"O anti-intelectualismo tem sido uma ameaça constante se insinuando na nossa vida política e cultural, alimentado pela falsa noção de que a democracia significa que 'a minha ignorância é tão boa quanto o seu conhecimento' ".
Isaac Asimov
O presumido "direito de ser ignorante" implica que é facultativo ao cidadão se importar com o próximo, com o que diz e com as consequências antissociais e mesmo sanitárias daquilo que faz. É antidemocrático por natureza e revela, quando se diz democrático, um profundo desconhecimento de que: liberdade não é ausência de normas e que as normas só não são arbitrárias quando necessárias ao bem comum.
E não é por que tais normas existem a milhares de anos ou por que a elas me afeiçoei, que elas devem permanecer. Tal defesa não é possível sem que se eleja certos valores e ideologias como superiores as demais e tal imposição não se faz sem meios autoritários. Sem o crivo da construção coletiva do bem comum, somente a vontade de um grupo ou facção predomina e o faz às custas de manipulações, censuras e outras formas de violência. O "direito de ser ignorante" é simplesmente uma forma de ignorar o debate público e os consensos já fundamentados sobre o bem comum, para eleger os próprios interesses como prioritários em uma sociedade.
Como o bem comum não é algo que trazemos inato, ou uma verdade prontamente revelada por alguma divindade, é na democracia (debate, representação e busca do consenso) que construímos nossas teses sobre "o bem comum" atualizando-o conforme as demandas diversas que as sociedades demandam. Isto por que empiricamente constatamos que as sociedades mudam para o bem ou para o mal, assim como ficam estagnadas para o bem ou para o mal. Em todo caso, a mudança se alterna com períodos de estagnação, mas é ela antes de tudo que dá o tom dos avanços.
Mudamos por que não nascemos com respostas prontas. Elas são construções políticas e culturais. Estruturalmente, as sociedades não encaram os desafios econômicos e sociais ficando imóveis, mas buscando novas respostas alternativa as relações e instituições que já não funcionam. Temos questões relacionadas a desigualdades diversas, meio ambiente e educação que não podem ser simplesmente ignoradas: são postas pelo simples fato de que o mundo não é o que por que é o melhor que podemos fazer - este conformismo é confortável para aqueles para o qual o sistema funciona: o que faz do conservadorismo um conformismo cínico.
Não querer mudar e lutar para que as mudanças não ocorram é uma opção ideológica, pois ao contrário do que alguns defendem nem tudo precisa ser como é e nem tudo que é é também benéfico e justo para todos. Por isto as pessoas se organizam e procuram mudar, pois é contra inclusive o instinto de sobrevivência, aceitar um mundo que o destrói pela fome e outras formas de exclusão.
Uma das questões mais sensíveis para início de século é pensarmos o que fazer com o "direito de ser ignorante" sem ameaçar direitos fundamentais como a liberdade de expressão, crença e convicções. Como discernir o questionamento crítico, necessário à democracia, com a expressão de opiniões que se impõe simplesmente ignorando o bem comum ? Até que ponto a liberdade individual deve prevalecer sobre a saúde coletiva e meio ambiente, quando a mesma se vale de mentiras e negacionismo para simplesmente fazer valer comportamentos comprovadamente nocivos a coletividade?