O irmão de Dom Helder

O Brasil perdeu, há quinze anos, um de seus filhos mais ilustres, sem dúvidas. Aos noventa anos de uma profícua existência, deixou de existir Dom Helder Pessoa Câmara, Arcebispo Emérito de Olinda e Recife, aquele que talvez tenha sido a voz brasileira mais conhecida no exterior. Junto com Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder, mercê sua inspiração e coragem, foi uma das vozes mais temidas pela ditadura.

Eu tive oportunidade de conversar com ele e ouvi-lo falar, quando morei no nordeste (1980-1985) em João Pessoa (PB). Igual a um apóstolo ou a um Santo Antônio, as pessoas paravam, largavam o que estavam fazendo, para ouvi-lo falar. Nesse evento, o “guardinha” abandonou o controle do trânsito da esquina e entrou timidamente no ginásio para ouvir o pregador.

Dom Helder foi um injustiçado na vida e na morte. Enquanto o piloto Ayrton Senna e o cantor Leonardo tiveram pompas de chefes de estado, Dom Helder teve um funeral modesto. Aliás digno de um homem humilde.

Ele foi duplamente cassado. A ditadura militar gestionou junto aos organizadores internacionais, para que ele não recebesse, em 1971, o prêmio Nobel da Paz. Depois, pela ditadura religiosa, que nunca o fez Cardeal, em detrimento de outros, medíocres porém alinhados.

Uma vez, Dom Helder ligou para um empresário, pedindo um emprego para um irmão seu. Dias depois, o homem de negócios dá o retorno:

“Tudo certo, Dom Helder, o rapaz já está trabalhando.

Só não precisava dizer que ele era seu irmão. O senhor

é Pessoa Câmara, e ele é Silva. Além disso, o senhor é

branco e ele negro!”

Como o bispo insistisse na tese da irmandade, o dono da firma perguntou: “Pode ser seu irmão ‘por parte de Adão e Eva’, mas não é seu irmão ‘de sangue’?”.

A sentença do apóstolo é antológica: “Mas como não? Ele é meu irmão e irmão de sangue, sim! E o generoso sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, derramado por nós na cruz, não nos torna irmãos de sangue a todos?”.

Solidariedade não dá Ibope. Por causa do filtro ideológico da mídia, a maioria dos atos de Dom Helder não chegou aqui. Só morando no nordeste para conhecer o que ele fez pelos pobres e excluídos. Perdeu o Brasil. Perdemos nós...

Antônio Mesquita Galvão
Enviado por Antônio Mesquita Galvão em 21/11/2005
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