Princípio da totalidade
Dilthey[1] traduz princípio de totalidade da Filosofia da Vida ou Filosofia Histórica nestes termos: “a idéia fundamental de minha filosofia é que até agora não foi posto nunca como base da filosofia a experiência total, plena, não mutilada, quer dizer, a realidade completa e íntegra”.
O holismo de John Smuts segue posteriormente o mesmo princípio diltheyano da totalidade.
Princípio da historicidade ou historista
O homem e a mulher são fatos históricos: constitui ficção da explicação genética a condição e a situação humana como fatos precedentes à história e à sociedade.
Reafirmando o princípio historista, pode-se destacar várias outras afirmações, entre as quais:
- entendendo vida exclusivamente como mundo histórico, história é “realização da vida no curso do tempo e na simultaneidade”;[2]
- a “natureza converte-se em história graças à experiência humana dela, pois a experienciamos historicamente”;[3]
- conhecemos o que somos mediante a história e não por experimentos psicológicos ou introspecção; portanto, a mediação para o conhecimento é a crítica da razão histórica.[4]
Os conceitos diltheyanos para as Ciências Experienciais podem ser denominados de conceitos históricos, historistas ou hermenêuticos, sabendo-se que, no Sistema de Dilthey, Hermenêutica é a Ciência Filosófica e a Ciência Metodológica das Ciências Experienciais.
Os conceitos hermenêuticos apresentados segundo o pensamento de Guillermo Dilthey estão compaginados na racionalidade hermenêutica, a qual é por mim caracterizada por quatro outros conceitos que, em suma, dão origem àqueles outros: razão histórica, consciência histórica, memória histórica, crítica da razão histórica.
Razão histórica traduz o fato de que
O homem individual, como ser isolado, é mera abstração. O parentesco de sangue, a convivência local, a cooperação no trabalho, na competência e no esforço comum, as múltiplas conexões que se produzem da prosecução comum dos fins, as relações de poder no mando e a obediência, fazem do indivíduo membro da sociedade. Como esta sociedade se compõe de indivíduos estruturados, nela operam também as mesmas regularidades estruturais. A teleologia subjetiva e imanente dos indivíduos se manifesta na história como desenvolvimento. As regularidades psico-individuais transformam-se em regularidades da vida social.[5]
O conceito diltheyano de razão histórica diz que o eu, a inteligência, o pensamento, a individualidade, junto a todas as faculdades ou processos mentais, são formações históricas.
Crítica da razão histórica, ao superar a razão metafísica de Aristóteles à Kant, se define como capacidade do homem e da mulher se (re)conhecerem históricos e de (re)conhecerem que a história e a sociedade são suas formações.
Tanto o(re)conhecimento da historicidade da consciência humana quando do mundo social, formados pelas pessoas, formam a consciência histórica.
Consciência histórica é conhecimento das
grandes objetividades engendradas pelo processo histórico, dos nexos finais da cultura, das nações, da humanidade mesma, da formação em que se desenvolve a vida, segundo uma lei interna [; aquelas grandes objetividades e nexos finais] atuam como forças orgânicas, de onde surge a história das lutas de poder dos estados.[6]
Consciência histórica exige, pois, memória histórica, um conceito do qual se origina o meu conceito de memória de corpo.
Memória histórica é o conteúdo das vivências e experiências, formadoras do mar empírico da história em linguagem diltheyana; esse conteúdo, além de estar primariamente fixado no corpo, daí o meu conceito de memórias de corpo, tende a fixar-se em grandes objetividades do pensamento –os sistemas culturais e os sistemas de organização da sociedade.
Sem memória histórica não há formação de consciência histórica nem desenvolvimento de crítica da razão histórica: se sistemas se erguem mutilando o mar empírico da história, no qual se forma a memória histórica, constróem-se sistemas a-históricos, a-sociais, anti-humanos.
Por esses quatro conceitos, o processo de conhecer das Ciências Experienciais tem por via de acesso a crítica da razão histórica que, segundo o Pensamento Diltheyano, é consciência histórica quando tem por objeto de análise hermenêutica das grandes objetividades do pensamento e é autognose histórica quando tem a própria consciência histórica como objeto de análise hermenêutica.
Num parêntese explicativo, a expressão análise hermenêutica significa a concepção de análise na Hermenêutica como movimento de compaginação e de conexão e não de fragmentação e de divisão.
Opondo-se ao desmembramento dos fatos sócio-humano-históricos, os movimentos na análise hermenêutica são a busca e a explicitação de nexos ou conexões dos fatos históricos, aproximando-se da significação de perscrutar, aproximar-se (e não afastar-se ou neutralizar-se) de algo para ver = conhecer, compreender = entender, esclarecer esse algo.[7] Por isso, análise hermenêutica se dá mediante crítica da razão histórica e é ato ou movimento de aproximação, de relação, de composição, de conexão, de compaginação do que está disperso, fora do contexto, disjunto, desagregado, fragmentado, desarticulado.
Analisar e perscrutar são sinonímios: investigar com minúcias, conhecer em profundidade, penetrar, sondar, esquadrinhar, pesquisar, examinar minuciosamente.
Examinar minuciosamente é ato ou movimento somente possível com as duas atitudes de contemplari e considerare, num movimento uno e nomeado por Guillermo Dilthey de captação objetiva ou captação histórica e que se dá na crítica da razão histórica, substitutiva do primeiro movimento do método científico-experimental e introduzido por Francisco Bacon –a observação.
Contemplari significa olhar atentamente, meditar, considerar; Considerare significa ver, olhar com atenção, refletir, meditar, pensar.
As significações de contemplari e considerare, absolutamente mais profundas que a observação, expressam os conceitos de olhar hermenêutico, formadores de atitude hermenêutica para a consecução da análise hermenêutica mediante crítica da razão histórica.
Quando Allan Kardec fala em princípio de observação, em observação atenta e que o Espiritismo é ciência de observação, tal conceito de observação só poderá ser compreendida na concepção historista ou hermenêutica de Dilthey, legitimante do método hermenêutico das ciências do Espírito (ou humano-sociais) e não na concepção de Francisco Bacon, legitimante do método experimental das ciências naturais.
5.3 – A CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE PENSAMENTO HOLÍSTICO
Posteriormente ao pensamento de totalidade ou de integralidade tanto do Espiritismo, codificado por Allan Kardec, quanto do Historismo de Guillermo Dilthey, o filósofo sul-africano Jan Smuts criou o termo Holismo, em 1926, para designar o trabalho da mente humana no esforço de captar a totalidade nas partes e as partes interconexas ao todo.
Pensamento holístico é, pois, um tipo de pensamento de totalidade ou de integralidade, oposto a tipos de pensamentos fragmentadores da realidade – quais o pensamento positivista.
[1] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Crítica de la razón histórica. Barcelona: Península. 1986; p.89
[2] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Crítica de la razón histórica. Barcelona: Península. 1986; p.236
[3]Ímaz, Eugenio. El pensamiento de Dilthey. 1. Reimpressão. México: Fondo de Cultura Econômica. 1979; p.330
[4] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.
[5] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Teoria de la concepción del mundo. México: Fondo de Cultura Económica. 1954; p.35
[6] Dilthey, Wilhem Guillermo. Introducción a las ciencias del espiritu. 2. ed. México: Fondo de Cultura Económica. 1949; p.11
[7] Ao contrário da neutralidade positivista e da redução fenomenológica, o ato hermenêutico é de máximo possível de aproximação e profundização com o farol da história, durante todo o processo.