5.2.1 – Princípios historistas ou hermenêuticos
O pai do Historismo alemão estabelece, no século XIX, alguns conceitos centrais para as Ciências Experienciais, por ele denominadas Ciências do Espírito:
- lei de formação;
- estrutura e não substância, essência ou natureza;
- lei de desenvolvimento, significando diferenciação e aperfeiçoamento;
- teleologia e conexão teleológica;
- regularidade e não uniformidade ou universalidade;
- adaptação e condicionamento;
- articulação, nexo, conexão ou interação;
- coexistência;
- co-pertencimento;
- complexidade e circularidade.
Todos os conceitos centrais da Hermenêutica de Dilthey, fundam-se no que denomina de princípios ou propriedades fundamentais da estrutura da vida psíquica[1] e dos quais se origina a estrutura da vida social.
Princípio da unidade
A conexão vital unitária ou conexão psíquica interna traduz-se no princípio da unidade, assim explicitado:
O processo vital psíquico é, desde seus começos e em geral, uma unidade, desde suas formas mais elementares até as mais superiores. A vida psíquica não cresce por composição de partes; não se constitui com elementos; não é um composto, um resultado de átomos sensitivos ou afetivos que cooperam em conjunto. Radical e universalmente é uma unidade abarcadora. Partindo dessa unidade diferenciam-se funções psíquicas, mas mantendo-se em sua conexão. Este fato, cuja expressão na etapa mais alta constitui a unidade da consciência e da pessoa, distingue a vida psíquica radicalmente de todo o mundo corpóreo. A experiência desta conexão vital exclui a teoria nova segundo a qual os processos psíquicos seriam representações singulares discretas de uma conexão física de processos.[2]
Transposto para o mundo histórico, o princípio hermenêutico da unidade, opõe-se às seriações dos princípios dos posteriores representantes dos primórdios da Sociologia: a física social de Adolphe Quételet (1796-1874); o evolucionismo de Herbert Spencer (1820-1903); o darwinismo social de Walter Bagehot (1825-1877), de Ludwig Gumplowicz (1838-1909), de Gustav Ratzenhofer (1842-1904), de Albion Small (1854-1926), de Graham Sumner (1840-1910); o evolucionismo psicológico de Lester F. Ward (1841-1913), de Franklin H. Giddings (1855-1931); a Sociologia Analítica de Ferdinand Toennies (1855-1936), de Georg Simmel (1858-1918), de Gabriel Tarde (1843-1904), de Emile Durkheim (1858-1917)... até se chegar a atualmente seriada psicossociologia e sociologia clínica.
Princípio do condicionamento e princípio da adaptabilidade
Condicionamento e adaptabilidade são princípios extraídos da declaração diltheyana de que a conexão psíquica interna ou conexão vital unitária da unidade de vida está em
permanente interação com o ambiente externo e por ele é condicionada corporal e psiquicamente em suas sensações, interesses e atenções; a unidade de vida em interação com o ambiente externo é, pois, unidade psicofísica de vida: nesta interação não é mero reflexo do jogo das excitações [impulsos, estímulos], mas busca adaptar a realidade às suas necessidades e se não alcança esse objetivo adapta seus próprios processo vitais àquela realidade.[3]
Princípio de rede
Rede é princípio diltheyano decorrente do fato de que todos os processos motores e psíquicos da conexão vital unitária, interativa condicionada e condicionante, estão
enlaçados entre si não segundo uma lei de causalidade imperante na natureza exterior, ou seja, uma lei da igualdade qualitativa e quantitativa entre causa e efeito: representações, sentimentos, processos volitivos são uma conexão e não processos derivados uns dos outros.[4]
Na atualidade, o princípio diltheyano de Rede foi retomado pelo conceito de Edgar Morin de pensamento complexo.
Princípio da conectividade
Seguindo o princípio de desenvolvimento, a articulação-interação-conectividade da vida psíquica com o ambiente externo estrutura a conexão teleológica e a conexão adquirida da vida psíquica, mediante diferenciação e aperfeiçoamento.
Princípio do desenvolvimento
O desenvolvimento, significando diferenciação e aperfeiçoamento, é atividade interna interconexa da conexão estrutural, da conexão teleológica, da conexão de valores da vida e da conexão adquirida da vida pelo princípio de conectividade-articulação psíquica crescente.
Princípio da conexão teleológica
O conceito diltheyano de conexão teleológica significa adequação a um fim; refere-se ao fato de que
toda relação de partes num todo recebe o caráter de adequação a um fim, em razão do valor realizado naquele todo uma vez que este valor é experimentado unicamente na vida afetiva e impulsiva [...]. adequação a um fim não é nenhum conceito natural objetivo, mas designa unicamente o tipo de conexão vital de um ser animal ou humano que se experimenta no impulso, no prazer e na dor.[5]
Para Guillermo Dilthey, há dois tipos de conexão teleológica: a subjetiva imanente e a objetiva imanente.
A conexão teleológica subjetiva imanente é subjetiva porque vivida, dada na experiência interna; é imanente porque não se funda sobre nenhuma idéia de fim fora dela.
Designa em primeiro lugar uma conexão das partes constitutivas da vida psíquica apropriada para produzir riqueza de vida, satisfação de impulsos e felicidade nas flutuantes condições exteriores em que vivem todos os organismos. A isto se acrescente um segundo conceito desta adequação segundo o qual nesta conexão estrutural se contém, ao mesmo tempo pressupostas, as flutuantes condições da vida, a disposição para seu aperfeiçoamento. E este aperfeiçoamento se realiza nas formas da diferenciação e no estabelecimento de enlaces superiores. Precisamente esta é a grande faculdade [denominada conexão teleológica subjetiva imanente] provocadora de plenitude de vida, satisfação de impulsos e vida reside.[6]
A conexão teleológica objetiva imanente
surge de uma hipótese, quando tomamos em consideração a circunstância implicada na conexão estrutural tendente à produção daqueles estados subjetivos em relação com a conservação do indivíduo ou da espécie. Esta conservação se liga, numa certa amplitude, à produção de reações afetivas agradáveis, à evitação das desagradáveis e à satisfação dos impulsos. Na base da.finalidade objetiva imanente dessa conexão teleológica não está contido nenhum suposto de uma idéia de fim, considerando-se que a transcendência da idéia de fim é meramente uma interpretação com a qual se busca uma explicação para semelhante conexão teleológica.[7]
Posteriormente ao princípio da conexão teleológica de Dilthey, a quarta força em Psicologia ou Psicologia Humanista, representada por Carl Ramson Rogers, envidou esforços para evidenciar o que a Escola de Pensamento Rogeriano denominou de tendência à atualização ou tendência atualizante:
é a mais fundamental [tendência] do organismo em sua totalidade. Preside o exercício de todas as funções, tanto físicas quanto experienciais. E visa constantemente desenvolver as potencialidades do indivíduo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento, levando-se em conta as possibilidades e os limites do meio. [...] O que a tendência atualizante procura atingir é aquilo que o sujeito percebe como valorizador ou enriquecedor – não necessariamente o que é objetiva ou intrinsecamente enriquecedor.[8]
[1] Para se entender o conceito de vida psíquica deve-se lembrar que no Sistema de Dilthey psique é formação histórica (a razão, o eu, a inteligência são históricas) e vida significa mundo histórico-sócio-humano. Trata-se, pois, de Historismo e não de Psicologismo.
[2] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.258-9
[3]Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.259
[4] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.260
[5] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.255, 258
[6] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.263
[7] Dilthey, Wilhelm Guillermo. Psicologia y teoria del conocimiento. 2. ed. Espanhol. México: Fondo de Cultura Económica. 1951; p.263
[8] Kinget, G. Marian. O método não diretivo. In: Rogers, Carl R. Rogers; KINGET, G.Marian. Psicoterapia e relações humanas. volume 1. 2. ed. Belo Horizonte: Interlivros. 1977; p.41