Filosofia Clínica: Uma Prática Filosófica na Terapia

É comum, quando uma determinada pessoa se vê diante de algumas dores existenciais: luto; depressão; angústia; conflitos em momentos de escolha de uma profissão, de um relacionamento amoroso; de transtornos mentais etc, ela procurar ou indicar um tratamento terapêutico. Os mais procurado são os psicológicos, os psicanalíticos e os psiquiátricos.

Além desses, desde meados da década de 80, do século XX, a sociedade pode contar com a Filosofia Clínica, criada por Lúcio Packter. Alguns poderão perguntar: o que é isto? Onde se fundamenta? Como funciona?

A Filosofia Clínica é o exercício da prática filosófica no âmbito da clínica, ou seja, tem por objetivo compreender, a partir da narrativa da história de vida do(a) partilhante (“paciente”), o modo como ele(a) estabelece a sua relação consigo mesmo(a) e com o mundo, bem como, a forma como lida com as situações existenciais que lhe são postas. Pois, é nesta relação — com o mundo e consigo mesmo — que o(a) partilhante vai construindo a sua existência; a sua Estrutura de Pensamento (EP).

É, a partir dessa histórica do partilhante, que o Filósofo Clinico elabora o modelo terapêutico para aquele ele(a), levando em consideração a história de vida pessoal e particular dele(a). Neste sentido, a Filosofia Clínica é uma abordagem terapêutica específico para aquela pessoa. Trata-se de um modelo terapêutico individualizado.

Esse especificidade advém de sua fundamentação humanista, que remonta toda a História da Filosofia, desde os gregos até a Filosofia Contemporânea, em suas diversas matizes. Na filosofia grega, o pensamento de Protágoras, que afirma ser “o homem a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são”. (PLATÃO, 2007, p. 57) é uma das referências desse humanismo. Pois, dessa afirmação é possível extrair a seguinte lição: a de que “aquilo que uma pessoa sente, vive, afirma, imagina, faz — isso é assim para ela —, independente de ser compartilhado com outras pessoas, de ser aceito, criticado, ironizado, proibido e assim por diante”. (PACKTER, 1997, p.5).

Depois de Protágoras, Schopenhauer (2005, p. 43) retornou a esta temática, e assinalou que “o mundo é minha representação. E, a verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata”.

Além dessas duas perspectivas humanista, que acentua o primado do (indivíduo) — partilhante na clínica — pode ser encontrada nas diversas correntes filosóficas, que compõem a História da Filosofia: indo da antiguidade à Filosofia Contemporânea: fenomenologia, estruturalismo, filosofia analítica e filosofia da mente. É nela, que a Filosofia Clinica fundamentou-se para sistematizar, organizar e edificar a sua prática clínica.

Diferentemente das abordagens terapêuticas, que se apoiam em princípios e verdades sobre a natureza humana; verdades e princípios válidos para todas as pessoas, a Filosofia Clínica parte da singularidade, da individualidade de cada partilhante. Isto porque, ao se apoiar nesta perspectiva humanista, o Filósofo Clínico inicia o processo terapêutico com uma entrevista inicial, que tem por objetivo tanto definir uma interseção entre o(a) partilhante e ele(a), quanto de acolher o que o(a) partilhante traz como assunto imediato. Com isso começa a pesquisar, imediatamente, as inter-relações associadas ao assunto. Em seguida, é criado uma proposta terapêutica própria, individualizada para aquele(a) partilhante.

Referências:

PACKTER, Lúcio. Filosofia Clínica: propedêutica. Porto Alegre: AGE Editora, 1997

PLATÃO. Diálogos I: Teeteto (ou do conhecimento), Sofista (ou do ser), Protágoras (ou sofistas). Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2007.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução Jair Barbosa. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

Silvano Dias
Enviado por Silvano Dias em 21/11/2021
Reeditado em 21/11/2021
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