ADEUS À ADOLESCÊNCIA?

Lúcio Alves de Barros – mestre em Sociologia e doutor em Ciências Humanas, Sociologia e Política pela UFMG.

Larissa Assunção Rodrigues - professora e mestre em Psicologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Não deixa de causar mal-estar a perplexidade dos profissionais da saúde e das ciências humanas em relação à denominada “aborrecência”. Parece consensual entre tais profissionais a afirmação de que a adolescência é um período complexo, difícil e, por demais, incompreendido pelos pais. Mais que isso, trata-se de um período repleto de descobertas, hormônios à flor da pele, energia de sobra e crises aos montes. Contudo, a despeito dos exageros e das demandas produzidas por esses profissionais, nada como entender a fase do adolescer como um fenômeno normal, de difícil manejo e inerente à condição humana. Nesse sentido, falar em “aborrecência” é no mínimo leviano, pois estigmatizamos uma fase crucial da vida de homens e mulheres. É difícil não encontrar pais que não estejam preocupados com a sombra de dúvidas que ronda a fase em apreço. Longe dos exageros e diante das mudanças que perpassam os caminhos da modernidade, nada como deixar claro algumas versões que vem tomando o adolescer.

Há muito considera-se adolescente o indivíduo que repousa na faixa etária de 12 a 18 anos. Nesse período no qual o ser humano, na ingenuidade e, não poucas vezes na ignorância do próprio corpo, passa por incríveis modificações; não é preciso ir longe para lembrar o desenvolvimento do corpo, o aparecimento dos pelos, a explosão da sensualidade e da energia libidinal, bem como a busca de novos alicerces para assentar uma subjetividade que, dependendo das circunstâncias, pode estar desnecessariamente, correndo riscos. É nesse caminho que trilhamos: a percepção de um novo perfil e de demandas produzidas por um mundo despreparado para o ato de adolescer.

Em primeiro lugar, faz-se necessário colocar em xeque a faixa-etária delineada acima. Sejamos coerentes com as mudanças. Mais do que nunca o adolescer já não é o mesmo que apregoava o pensamento tradicional. É possível que a adolescência possa não terminar aos dezenove, podendo ela avançar até os 24, 25 ou 30 anos. Explicar o porque não parece difícil. Muitos são os homens e as mulheres receosos com o amadurecimento, a velhice e a morte. O medo de tais fenômenos é um poderoso determinante para que muitos se apeguem ao mito da corpolatria, ao hedonismo sem fim e ao consumo conspícuo e supérfluo. Não é por acaso que o campo midiático aposta em modelos jovens e novas formas – às vezes – mirabolantes de manutenção de um corpo “sarado”, “bonito”, sensual e desejável. A questão torna-se arriscada quando a subjetividade já não é mais reconhecida, chegando a ponto do indivíduo sequer reconhecer ou mesmo esconder a real idade na qual se encontra.

Associado ao risco da “eterna juventude” é imperioso ressaltar a falta de sentido, de rumos e caminhos que perpassam a vida de um adolescente. Podemos chamar esse vácuo no qual se assenta a construção de personalidade de a fase da “primeira vez". Em geral é na adolescência que meninas e meninos enfrentam as angústias e os prazeres do primeiro emprego, do primeiro amor, do primeiro beijo, da primeira transa e assim por diante. Tudo é de primeira. O problema reside é como entender e suportar as conseqüências e responsabilidades proveniente dessas relações. O primeiro cigarro, o primeiro gole em bebidas alcoólicas segue, em geral, o primeiro cigarro de maconha, a primeira experiência com a cocaína, e, nos dias atuais, o primeiro encontro com o crack e a merla. É neste campo que as coisas se complicam, haja vista que muitos são os pais que a despeito da idade também comungam da adolescência e, na penumbra da ignorância acabam não sabendo o que fazer, perdendo e contribuindo para uma adolescência de risco, recalcada, traumatizante, desamparada e sem possibilidades de reconstrução do eu. É impossível precisar quantas são as subjetividades, os talentos, as pessoas que perdemos nesse caminho. É uma lástima, pois assiste-se ao que não se entende e, inerte, vidas e mais vidas são desamparadas, desregradas e jamais recuperadas.

Não cumpre fazer-se de vítima. As mudanças são claras e mais do que perceptíveis e complexas. Se podemos perceber adolescentes com 24 ou 30 anos,. Infelizmente temos crianças com oito ou nove anos se rendendo aos apelos da adolescência e da juventude sem limites. A conjuntura delineada pela sociedade e pela modernidade excludente, mais do que perversa e farsante tem roubado das crianças a arte de brincar, de jogar com a vida e de aprender, respeitar e seguir as autoridades dos pais. Tornou-se raro o respeito à infância. Os pais cobram dos filhos um rápido amadurecimento e uma posição, principalmente no Brasil, de estar sempre pronto a “pegar no batente”, assumir as responsabilidades e enfrentar o mercado de trabalho. Jornais, o campo virtual da Internet e o mundo da TV claramente têm contribuído para isso. A sociedade do desamparo tornou-se cruel com a criança e alucinógena e espetacular para o adolescente. Longe de desejar “ficar para trás”, paradoxalmente, a menina e o menino de 09 ou 10 anos, enfrenta a autoridade decadente da mãe e do pai e se modifica numa clara tentativa de ser aceita (o) pelo mundo do consumo, do risco e do hedonismo sem fim. É nesse caso que percebemos famílias destruídas. Os pais passam a se culpar, não raro se separam. Vários abandonam a prole e passam a tratar do filho – criança ou adolescente – como se um amigo ou um igual ele fosse. Convenhamos, tanto a criança, como o “adolescente”, não pode ser comparado aos adultos. Aos primeiros compete a construção de limites e, aos adultos, a reconstrução da autoridade, a coragem para assumir a responsabilidade e clareza das fases da constituição de uma personalidade que, por natureza, abre-se em crise e descobertas. Não há o que temer, há o que se entender, haja vista a importância do menino e da menina compartilhar com os pais a responsabilidade das constantes metamorfoses que atingem o corpo, a personalidade e as relações sociais. O curioso é que não caminhamos para um cenário favorável.

É lícito afirmar, perante as mudanças porque passa a sociedade nos últimos anos, que vivenciamos a crise do que entendíamos por fase da adolescência. Talvez não se trata mais de mencionar ou mesmo buscar evidências de uma fase sanduíche, um estágio no qual vemos a construção de uma estrutura híbrida de infância e juventude adulta. Em outras palavras, as gerações perderam os alicerces e - no jogo da vida - a adolescência ficou órfã de pai e de mãe. O risco, o qual nos referimos em linhas anteriores, reside no ataque ao ato de adolescer: não existe mais tempo, espaço e ouvidos prontos para compreender o indivíduo que, obrigado a deixar a infância, tem se rendido aos apelos das relações adultas. A autofagia dos princípios e das mudanças próprias da adolescência, vem colocando meninos e meninas como verdadeiros alvos do crime, da violência, da promiscuidade, da pornografia, das mãos coercitivas do Estado, da melodia de sereia do mercado e de adultos sedentos da carne jovem. Esta é a dura e a crua verdade do mundo da vida: estamos dando adeus ao adolescente, pois além de ficarmos apavorados e impacientes não mais nos preocupamos com a “aborrecência”. Mais que isso, estamos deixando de procurar ou mesmo de oferecer um sentido para a vida dos futuros jovens. Ao contrário estamos jogando ao chão lindos sonhos, belos rostos, talentos incomparáveis e singularidades mais do que respeitáveis. A falta de sentido que perpassa também a juventude, tem produzido bons exércitos para o tráfico e o crime organizado, movimentos sem causa, descrença na política, na religião, nas relações familiares e no próprio “eu”. O resultado é uma sociedade desamparada com adultos sem a percepção do próprio corpo, da inexorabilidade do tempo, perdidos, mal resolvidos e próximos a se render à sociedade da ilusão, do espetáculo, do cinismo e da pseudoperfeição. Tudo indica que está decretado um adeus ao ato de adolescer, pelo menos, tal como a entendemos nos dias atuais.