Um pouco sobre perdão
Quando não há culpado, não há perdão. Quando há plenitude, só há amor. Não se vê culpa ou ofensa naquele que em si guarda, pelo menos, o entendimento da plenitude.
Quando há ofensa é porque algo em nós está ferido ou cristalizado e diante de alguma experiência foi descoberto à nós. Foi revelado: "há algo aí em ti que se revela, vê?"
Culpa e perdão está atrelado a uma ideia moral de obrigações de boa conduta - certo e errado - mas nem tudo que acreditamos ser certo ou errado, é certo ou errado para o outro. Está atrelado há uma ideia de um Cristianismo moralista onde o "temente a Deus" peca e o "Deus perverso" pune. Deus não faz barganha, não pune e nem recompensa - mas este é outro assunto.
As divergências revelam a distância entre nós e ao mesmo tempo nos mostram a possibilidade de empatia, afinal, quando a divergência nasce posso pensar: "hum, é... há algo que não compreendo aqui, dentro de mim. Estou disponível à compreender?" Se sim, mãos a obra. Se não, é deixar ir, aceitando os seus limites, naquele momento. A questão nunca é o outro porque não nasceu no outro a ofensa e até pode ter sido através do outro, mas doeu e dói em ti. E se dói em ti, é seu, de mais ninguém. Se você se ofendeu é porque estava aberta a porta para isso.
A ofensa é um chacoalhão, um desmonte carregado de emoção que em alguns casos nos desestrutura e/ou levamos por muito tempo em nós porque nos pertence, não pertence ao outro que fez algo ou alguma coisa que você se sentiu desrespeitado.
Não é bom e nem ruim ou certo ou errado ofender-se. É de nossa natureza receber certas ações como um chacoalhão ou uma ofensa, para mim é um sinal de alerta: "Veja!!!". E cabe a nós olhar para isso, não como responsabilidade do outro se redimir à nós. Mas, talvez, nós nos redimirmos diante nós mesmos. Pois, não é incomum, essas ofensas estarem atreladas à feridas da nossa trajetória, principalmente, infância.
Muitos são os casos que a pessoa até pede "desculpas" e mesmo nós dizendo que perdoamos, lá estamos nós, por dentro ainda remexidos e desconfiados - projetando ainda, tudo isso, no outro. A raiva (mágoa) reprimida, o sentimento de culpa projetado no outro, enfim. Se há culpa no outro, há culpa em si porque estás envolvido nisso. Há culpa entre ambos, há culpa nessa vida, nessa trajetória, nessa existência. Há raiz nessa ofensa e essa raiz, talvez diga de nossa história pessoal. E é somente nisto que podemos mexer e que nos cabe. Não é possível tirar essa emoção de dentro de nós se não olharmos para o que em nós é "o ofendido", portanto o que esse "outro" significa, sempre estará dentro de nós, mesmo que calado ou sem ser visto. Querer tirar esse sentido "do ofendido" ou "do outro" dentro de nós, é dar ao ego uma condição que ele não tem em relação ao inconsciente, por isso inflação. O inconsciente sempre será soberano nesse sentido. Você pode decidir não olhar para isso, mas ciente de que é a ti mesmo que negligencias ou deixa de lado, por aquele momento. E o outro, nada tem a ver com isso.
A relação muda sempre, diante de uma ofensa. E cabe a nós olhar para essa mudança e transformação. Aceita-la no sentido de que a vida nos impulsionou ou fez nos colocar em outro lugar, além daquele que antes ocupávamos e que fica refletido na vida do outro ou o outro em nossa vida. Isto pois, diante da ofensa, nós mudamos, nós nos revelamos e passamos a ver coisas que antes não víamos e dentro de nós, é onde podemos ter acesso e agir, somente. É o momento da retirada ou saída da projeção, para o "você mesmo", para si, para ver-se e acolher-se em suas próprias sombras - partes suas esquecidas ou negligenciadas.
Sinto que as verdadeiras relações "perdoadas" são aquelas que aceitam a sua transformação, após esse evento dito "ofensa". Mudou, e ficou evidente a mudança, relacionar-se com o outro por esse lugar novo na relação, nos possibilita o despertar para muitas possibilidades em nós, adormecidas, antes da dita ofensa. E uma delas é amar o outro como ele realmente é.
Nem sempre saberemos do outro nessa pureza e talvez nunca saberemos, integralmente. Contudo, diante da ofensa, é natural nos surpreendermos com o outro e então, é como se nossos olhos se abrissem e enxergamos como o outro é e cabe a nós então, decidir: quero continuar essa convivência, essa relação nesse novo formato? Porque vai mudar. Ou não quero? E nessa livre escolha aceitar, acolhendo tudo o que em si emerge dessa decisão. É só você e com você mesmo sempre, nunca é o outro. E digo isso porque a parcela que cabe ao outro, está nessa mesma medida descrita aqui, mas só cabe a ele também decidir, não à nós, julgar.
Se há algo a dizer sobre perdão e ofensa, acho que é isso: saber-se que quando nos sentimos ofendidos e dizemos que precisamos perdoar, é entender que nós também estamos implicados na experiência onde surgiu a ofensa, portanto, somos tão responsáveis quanto o outro, nisso. Mas, só podemos cuidar da nossa parte, quanto ao outro, não saberemos nunca, somente ele sabe em si o que nele sente e vive.
Portanto, perdoar é aceitar a si mesmo (luz e sombra), dentro de uma situação onde nos sentimos ofendidos. E se você aceita você em plenitude, você compreende. E compreendendo a si, compreende o outro também em sua luz e sombra, sabe ou pelo menos entende a existência disso, portanto, aceita o outro mesmo que não concorde com ele. E talvez isso, seja o perdão, aceitando o novo momento, dessa relação!
Kátia de Souza - 16/09/2021