O inferno são os outros. Jean-Paul Sartre - Pensador
O INFERNO SÃO OS OUTROS? SERÁ?
Pequenas reflexões - Por Juliana S. Valis

 













 
 Todos nós temos erros e acertos, defeitos e qualidades. Existe uma desproporção na tolerância maior às falhas de alguns individuos que detêm algumas vantagens e, ao mesmo, um preconceito em aumentar as falhas de outras pessoas, sobretudo quanto estão em contextos mais vulneráveis.


 Ninguém é perfeito, todos nós estamos na vida para aprendermos, entre outros aspectos, mas muitos tendem a cobrar dos outros a perfeição, que simplesmente não existe, sendo condescendentes com as próprias falhas e muito injustos ao criticarem os supostos erros de pessoas que nem sequer conhecem direito. Muito se fala em "pessoas difíceis", porém todos nós podemos ser "difíceis", sobretudo em algumas situações ou em contextos estressantes. 


 Este célebre pensamento do filósofo Jean - Paul Sartre de que "o inferno são os outros" precisa ser revisto em muitas situações, pois, olhando por diferentes ângulos, como diriam alguns humoristas, "o inferno somos todos nozes". Ou melhor, como bem descrevem Monja Coen e Leandro Karnal em seu livro  "O inferno somos nós", apontar excessivamente os defeitos dos outros é uma maneira de não querermos enxergar nossos próprios erros, numa espécie de ilusão universal. 






 







 Em vários contextos, todos nós podemos ter tanto o céu quanto o inferno dentro ou fora de nós mesmos. Quando alguém rotula o outro como "difícil", provavelmente o próprio rotulador também é alguém "difícil" para muitos outros. Esse rótulo de "pessoa difícil" tende a criar mais problemas do que soluções práticas. Todos nós erramos e podemos ser interpretados como "difíceis", o que nem sempre corresponde à realidade. O importante é termos clareza e humildade para reconhecermos que todos nós erramos e que não existem semideuses.



 
Arre, estou farto de semideuses! Onde é... Fernando Pessoa - Pensador









 Desse modo, todos nós podemos ser "difíceis", inclusive, em determinadas circunstâncias, tentando fazer o que está ao nosso alcance. O inferno, nesse contexto, pode ser o conjunto de nossas próprias expectativas exageradas e idealizações sobre aquilo que o mundo e as pessoas deveriam supostamente ser. Mas ninguém é o ideal, nem nós, nem o mundo. Não agraderemos a muitas pessoas, inclusive por esperarem algo que nós não podemos oferecer, ao menos em algumas circunstâncias.

 Como existe uma grande intolerância ao erro, tendemos a gastar muita energia disfarçando nossas pequenas falhas, nossas dores ou nos preocupando demais com impressões alheias, alimentando nossos próprios "infernos" internos.  E quantos erros cometemos no anseio de acertar ou com receio de julgamentos alheios?  Não estarão os outros fazendo a mesma coisa ?




 
Passei a vida tentando corrigir os erros... Clarice Lispector - Pensador


 
 

 Podem existir vários "infernos" ao mesmo tempo, internos ou externos, na desafiadora arte do convívio humano. Por exemplo, o inferno dos preconceitos e de nossos vieses inconscientes. O inferno de nossos complexos internos e de nossa insegurança. Ou, ainda, o inferno de não adentrarmos o autoconhecimento. O inferno das expectativas exageradas em como os outros deveriam ser.

 Cite-se ainda o inferno do perfeccionismo exagerado e dos padrões inalcançáveis de trabalho, de estética, de finanças ou de qualquer outra área. O inferno de tentar suprimir emoções e sentimentos para não parecer fraco(a). O inferno de sermos cobrados em mais do que realmente podemos oferecer. O inferno de não saber dizer "não" e de nada ser bom o bastante, em meio a tantas concessões indignas e demandas infinitas. 


 Outro inferno muito comum é do egoísmo utilitário, usando sujeitos como objetos. Acrescente-se a isso o inferno das falhas de comunicação. O inferno do cinismo e da hipocrisia. O inferno de querer julgar por aparências e condenar pessoas que nem sequer conhecemos. O inferno de interpretações parciais sobre atos alheios. Esses e muitos outros "infernos" tendem a morar dentro de nós, sendo construídos e refletidos nos espelhos de nossas relações em diferentes contextos. Por isso, é importante pararmos um pouco para refletirmos
 se somos suficientemente humildes para reconhecer onde e como podemos melhorar.

 


Ontem eu era inteligente, então eu... Rumi - Pensador






 O que também tende a ser um ato confuso e infernal é querermos mudar outras pessoas e o mundo, sem antes reconhecermos a necessidade de nossas próprias mudanças internas. Ou, de outro lado, a confusão de tentar sempre agradar, e muitas pessoas se aproveitarem de sua boa vontade a ainda saírem dizendo que você seria uma pessoa "difícil", entre inúmeros outros "infernos". Todos esses "infernos" podem morar dentro de nós ou serem nossos reflexos, sendo nossa tarefa lidarmos com eles e modificá-los, na medida do possível, tendo também autocompaixão. Quando exigimos muito de nós mesmos, tendemos também a sermos muito exigentes com os outros, em um ciclo sem fim de expectativas mal comunicadas e atos distorcidos.


 O que seria um "inferno" também é um conceito subjetivo, muitas vezes, o inferno de uns pode ser o céu de outros.  Ou, ainda, o inferno pode se transformar no céu, e vice-versa. Por exemplo, o inferno dos preconceitos das falhas de comunicação pode ser transformado no céu de algum diálogo efetivo, se as pessoas se permitirem, pelo menos, tentar ouvir efetivamente o outro. O inferno do apego às altas expectativas pode ser substituído pelo céu da flexibilidade e maior equilíbrio no que pode realmente ser feito. Em outras palavras, o céu também pode ser cultivado dentro de nós. Não será sempre fácil, claro, mas é possível.



 

Frases de Carl Gustav Jung - Quem olha para fora, sonha. Qu
Fonte da imagem - citação: https://bfrases.com/p/NDU0Mw/








 Considerando essas inúmeras variáveis, ninguém é santo nem perfeito. Se fôssemos perfeitos, não precisaríamos nem estar aqui na Terra. Não existe essa dicotomia fixa em rótulos superficiais de totalmente "bons ou maus", todos nós temos aspectos positivos e negativos, sendo escolhas nossas (conscientes ou inconscientes) o que vamos alimentar. Rotular alguém como "difícil", em determinados contextos, além de não resolver nada, pode tornar ainda mais difícil qualquer solução equilibrada. 


  Muito se fala em como conviver com "pessoas difíceis", como se essas pessoas que criticam os outros pudessem ser anjos infalíveis. É bastante vaga e, em certa medida, engraçada essa expressão "pessoas difíceis". Existem vários textos, dicas, livros, teorias e cursos sobre como lidar com "pessoas difíceis", mas é bom considerar inicialmente a seguinte reflexão:  quem seria "fácil" sempre? A libertação do aparente rótulo de "fácil ou difícil", além de tantos outros rótulos e estereótipos, também traz uma certa libertação de nossas próprias preconcepções nubladas, para agirmos melhor em algumas circunstâncias.





 
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 O que seria alguém "fácil ou difícil", desse modo, pode ser uma confusão abstrata de maus entendidos, entre impressões infinitas e superficiais. Todos nós podemos ser "difíceis". De tanto engolirem sapos ao longo da vida, muitos se tornam crocodilos. Mas podemos vislumbrar a esperança no céu de aprendermos com nossos erros, evoluindo sempre, em vez de apenas focarmos em erros alheios, criticando pessoas que nem sequer conhecemos a fundo. 

 Por isso, é importante procurar algum equilíbrio, clareza, discernimento, paciência e compaixão. Enfim, tanto o inferno como o céu podem morar dentro de nós, sendo uma escolha e também um desafio o que vamos cultivar diariamente.