Beijo de Panda Livre

Tenhamos uma vida tranqüila e sossegada, em toda a piedade e honestidade.

(1 Timóteo 2:2)

Quasímodo, foi preso pela polícia federal no curto período de governo do presidente Fernando I.

Depois de ter lutado um quarto de século trabalhando, estudando, se atualizando e coisas que tais, conseguira montar uma empresa solitária, em uma micro-sala na rua do Ouvidor, Rio de Janeiro.

Como a ocupação consistia de re-direcionar os clientes (picaretagem) da firma onde trabalhava, para sua empresa ovo, houve um "enfoguetamento" nos negócios e em um par de anos, já ocupava um andar de um faustoso edifício da avenida Rio Branco. O homem ficou conhecido como “O Cara”!

Poderia estar por cima da carne seca até hoje, se não começasse a comprar peças para computador contrabandeadas, para aumentar seus já tão bons lucros.

Embora tivesse experiência e uma boa formação, estava lidando com negócios escusos, não sendo possível por conta disso, delegar poder de decisão a nenhum dos seus cinco competentes gerentes.

Artemísia, esposa de Quasímodo, tentou assumir a administração da empresa e não tendo nenhum tipo de organização que permitisse funcionar na ausência do dono, decidiu jogar a toalha, fechando a corporação. Isso para não acabar perdendo o próprio imóvel onde residia.

-- Dr. Mérito, tem alguma novidade sobre meu marido? – perguntou Artemísia ao quarto advogado contratado para tirar seu marido do xadrez.

-- Amanhã ele sai. Vai responder ao processo em liberdade. Fala pra ele evitar a reincidência. Isso o fará mofar na prisão. Para não haver nenhum engano, se eu fosse a senhora falaria com ele até para mudar de ramo.

-- Beleza! Pensou em voz alta a mulher: três filhos para criar, um marido "cinqüentão", desempregado, falido e respondendo processo. Preciso levantar o Quasímodo. Eu o amo tanto!

-- Tenho duas excelentes notícias para você, meu amado – falou Artemísia ao ouvido do esposo enquanto o tirava de detrás das grades.

-- Consegui pagar aos fornecedores da Fueradata. Estamos sem dívida e prontíssimos para começar uma vida novinha em folha.

Quasímodo, de aspecto físico nada atlético e de beleza apenas espiritual, suava de vergonha, da decência e bondade da linda esposa. Será que ainda o amava, ou estava sentindo uma imensa piedade dele, por causa de sua desprendida e grandiosa alma?

-- Amor, quer saber da outra notícia? – perguntou suavemente a mulher.

-- Dr. Mérito, disse que você não pode arriscar, mexendo com produtos de informática. Um simples mal-entendido poderá destruir sua vida. Até explicar que berimbau não é gaita, podem confundir um produto legalizado com contrabando e você estará em apuros.

-- Falei do seu caso com papai. Ele ta com idade e sem eu pedir nada, passou a imobiliária para você. E o bom é que eu trabalhei anos nessa área. Vou poder ser sua mão direita nesse negócio. O que acha?

Quasímodo, embora conhecesse ioga e todos os imagináveis tidos de respiração, esqueceu de controlar "diafragmaticamente" o ar (respirar com ajuda da barriga). Será que vem da ioga o termo embarrigar? (rs)

A última notícia foi dita pela mulher com a voz mais amiga e doce perceptível ao seu entendimento. Os anos retroagiram em seu cérebro. O olhar da esposa exercera sobre o empresário, o poder de revigorar seus ossos. O gostoso perfume da mulher, lhe completaria a robustez que imaginara haver perdido. Seu sangue aquecido ruborizava a antes pálida face.

Silêncio. Quasímodo dessa vez, não ousava beijar sua mulher. Estava em uma delegacia. Evidentemente, não seria indelicado, a ponto de inibir o encontro de seus lábios com os da amada se houvesse por parte dela uma espontânea aproximação.

O delegado, segurando o alvará de soltura, esperava pacientemente o casal encerrar o maior e mais longo contato labial que já pudera presenciar em toda a sua vida. Sem brincadeira, parecia um Beijo de Panda Livre.

Gilberto Landim
Enviado por Gilberto Landim em 12/11/2007
Código do texto: T733724