Quem foi o Leão do Acre

Sempre ouvi e dei muita atenção aos mais velhos. Inclusive, procuro manter por perto amigos de idade mais avançada, anciãos. Prezo e tenho gosto por uma conversa madura, de ouvir e arrancar as sabedorias que os antigos ainda guardam consigo. Pedir conselhos e ouvir as histórias do tempo. Evoluo com isso. No entanto, com esse confinamento social, nada mais me resta, a não ser, relembrar as boas prosas que já tive com meus conselheiros.

Com a música, minha relação é muito parecida. Gosto das antigas. Parece que antigamente tudo era melhor: Beatles, Pink Floyd, Led Zeppelin, Nei Lisboa, Engenheiros do Havaí... Só música boa. Parei lá atrás e de lá não consigo mais sair.

Ontem, ouvindo Raul Seixas, recordei-me do amigo Nogueira, numa música em que a letra fala assim: “A solução pro nosso povo eu vou dar, negócio bom assim ninguém nunca viu, tá tudo pronto, aqui, é só vir pegar, a solução é alugar o Brasil”. Pois vou explicar o porquê recordei do amigo.

Jogos. Nunca gostei de jogos. Tenho horror à jogatina pelos péssimos exemplos que ela me deu em vida. No entanto, foi jogando Damas que tive a honra de conhecer um de meus mais nobres amigos: Plácido Nogueira de Castro, que hoje deve estar com seus, bem vividos, 83 anos de idade.

Seu Nogueira, como é chamado, vive ainda hoje no mesmo edifício, no Bairro Bonfim, de Porto Alegre, no qual morei nos 1999 e 2000. Diariamente, pelas 20 horas, descíamos para o Hall de entrada do edifício e varávamos as noites jogando Damas e conversando muito. O jogo, na real, servia de pretexto para as aulas de história e conhecimentos gerais que pude ter com ele. Todas as conversas que tivemos me foram lições de vida.

Alugar o Brasil... Penso que, quando nosso rei Raul cantou essa letra, não sabia que o Brasil já havia sido alugado aos Americanos, lá no século XIX, e que essa receita não havia sido das melhores. Refiro-me à história do Acre.

O Acre, terra de seringueiros, sempre foi um território em conflito, explorado por Bolivianos e Brasileiros desde a sua origem. Desde o século XVIII, sofreu com as intervenções políticas de ambos os países, tornando-se, inclusive, uma República independente.

Em junho de 1901, a Bolívia, interessadíssima nos lucros da borracha, arrendou todo o território Acreano aos Estados Unidos, para sua exploração, inclusive, seu controle bélico na região. No entanto, em 1902, pelo comando de um líder revolucionário gaúcho, o Acre foi liberto de uma vez por todas das mãos Bolivianas e Americanas. Com o apoio do governo brasileiro, em 1903, é assinado o Tratado de Petrópolis, anexando de uma vez por todas o Acre ao território nacional Brasileiro.

Pois esse gaúcho, que já havia lutado aqui no sul pela causa dos Maragatos, durante a Revolução Federalista, foi posteriormente proclamado o primeiro Governador do Território do Acre.

José Plácido de Castro, o Leão do Acre, um herói de guerra que foi covardemente morto aos 34 anos, numa emboscada. Pois quem diria que numa partida de Damas eu pudesse ouvir essa bela história, contada muito detalhadamente pelo amigo Plácido Nogueira, sobrinho neto do libertador do Acre.

Quando nos vemos, brinco que seu tio avô fez teve tantas conquistas com apenas 34 anos de vida, e ele, já ancião, não consegue nem me ganhar numa partida de Damas. Eu, muito honrado pela sua amizade, sempre ouvindo e aprendendo.