A ressurreição

Páscoa. Quantos significados em torno de uma palavra, de uma data, de uma celebração. Todos devemos ter uma percepção Nessa semana um colega de trabalho, muito emocionado, entrou na minha sala: – Até que enfim saiu minha aposentadoria, disse ele já com os olhos encharcados. Pedi que sentasse. - Líderes não choram! Frase que trazia estampada na testa, e que naquele momento foi mandada às favas. E com razão, imagino eu.

Mas o que mais faria um homem, chefe geral no seu ambiente de trabalho, entregar-se aos prantos frente a um de seus subalternos? A aposentadoria mexeu realmente com ele, mas, inevitavelmente mexeu comigo também.

Aposentadoria. Benefício criado na Alemanha no século XIX pelo Chanceler Otto Von Bismarck para garantir uma pensão aos trabalhadores da agricultura, indústria ou comércio que tivessem alcançado os 70 anos de idade. No Brasil, chegou no ano de 1923, atendendo apenas a alguns setores.

Quem me dera eu já estar pensando em aposentadoria. Ainda tenho muita estrada pela frente antes disso. Não foi exatamente a aposentadoria que me fez refletir, mas sim o que ela foi capaz de causar nesse homem. Sensibilizei-me ao ver a importância que aquilo tinha para ele.

Ao vê-lo olhar para o passado, lacrimejando, referindo-se a seus pais e à sua criação em meio rural, a todos os lugares que ele trabalhou, a todas as pessoas que conheceu e a todas as dificuldades que enfrentou me fez refletir também sobre o sentido da vida.

Não citou em nenhum momento sequer o que faria a partir dali, pois acredito que ainda não havia planos concretos, mas contou-me toda sua história de vida, inclusive a data de seu primeiro dia de trabalho formal. Trabalhou praticamente a vida toda, desde seus 15 anos de idade, e agora com 60 estava conquistando sua aposentadoria, dentro das normativas e leis trabalhistas atuais.

Deve ser gratificante chegar numa certa idade e poder lembrar e falar, até o ponto de se emocionar com o trabalho executado durante toda uma vida. Recordar as inúmeras dificuldades passadas, dos momentos de superação que muitas vezes sozinhos passamos e até agradecer aos próximos que estiveram ao nosso lado, nos apoiando fielmente. É algo realmente dignificante, não importando a complexidade do serviço prestado. Justifica o choro do chefe.

Não foi falado em dinheiro, tampouco nos valores que o benefício irá lhe proporcionar. Falamos das experiências, das vitórias e das dificuldades da vida que são para todos, e quem não as têm, as cria. Falamos desse choro que sucede as vitórias, que embaralha tristezas e alegrias, que vem com pitadas de humildade e orgulho pelo passado, marcado pela dor e por suspiros de alívio. Um choro que parece estar trancado no peito há anos, endurecido, choro esse que eu chamo de desabafo.

Nossa vida se resume ao trabalho. Mas podemos optar por não trabalhar? Temos o poder, o direito, o livre arbítrio de escolher não trabalhar nunca? Até podemos pensar que sim, mas provavelmente hoje em dia será mais penoso ou humilhante viver sem trabalhar ou ter um ofício próprio. Generalizando, somos todos escravos do dever. Devemos a vida.