PRIMEIRO A "FALA, DAR, CATARSE", DEPOIS A "ESCUTA, RECEBER, CONSCIÊNCIA"

As relações humanas é uma ponte para o nosso amadurecimento e ampliação de consciência, apesar de todos os pesares que enfrentamos ao nos relacionarmos, ainda é assim. Digo que é uma forma de expressão da abundância da vida, tamanha a riqueza que é analisar as relações humanas ou presencia-las em nós. Quanto, as mesmas, nos faz reagir e dessa forma nos possibilita ao reconhecimento de nós mesmos, se estivermos disponíveis a isso. E sabemos que essa disponibilidade para as relações ou vermo-nos nas mesmas, nem sempre é algo fácil porque entra em jogo tantas coisas. Contudo, gostaria de abordar isso falando sobre "o dar e o receber" e nossas reações frente aquilo que recebemos do outro ou da experiência.

Não é difícil no momento atual, principalmente com o advento das redes sociais, nos colocarmos disponíveis a "dar" - falar sobre o que pensamos, sobre o que sentimos, sobre nossos conhecimentos, algumas experiências, entre outros. Porém, quando o assunto e receber, é algo diferente para a maioria de nós. E quando falo em receber, é receber mesmo - estar aberto, disponível a um opinião, pensamento ou conhecimento diferente do nosso. É como diz Rubem Alves, estamos mais disponíveis a um "curso de oratória", mas precisamos mesmos é de um de "escutatória". E escutar, no sentido de receber o outro, sem a ânsia de já ter pronto alguma resposta, sem as tais reações impulsivas. Quando alguém fala, já estamos pensando no que vamos responder e não estamos escutando o que o outro está realmente, dizendo.

O outro fala por diversas vias, não apenas pela palavra. Escutar, receber é também, poder se sintonizar com o que "se quer dizer" e quando possível com aquilo que está sendo dito sem dizer, mas ouvindo, verdadeiramente. E não é ouvir para ter que dizer algo, não se preparando ou se "armando" como se tivesse que se defender de algo. E isso nos acontece com frequência e, normalmente, por questões inconscientes em nós, ou seja, não é algo que fazemos de propósito, mas é importante que saibamos disso para compreendermos melhor a nós mesmos e melhorar nossas relações - amadurecermos.

É importante, entendermos que um encontro legítimo, verdadeiro onde um e outro se compreende PLENAMENTE, isso não existe, pelo menos até o momento, não consigo ver que exista. Um relacionamento que prova de uma intimidade profunda onde a compreensão é presente, é possível e acontece, mas nem esses relacionamentos, podem nos mostrar uma PLENITUDE de compreensão e entendimento - digo que nossas relações estão a caminho dessa plenitude, mas não sinto que seja assim, ainda. E digo mais, estou falando de plenitude que para mim, está relacionado a liberdade e não PERFEIÇÃO.

Voltando ao tema do "dar e receber", quando se doa um ponto de vista, este fala de quem o expressa e não de quem ou o quê esse olhar está se referindo. Então, quando recebemos esse ponto de vista, estamos recebendo o outro em nós. Mas, como o recebemos, diz de nós e não do outro. Se ao receber, detectamos algo que não concordamos, seja na fala explícita ou implícita, isso ainda diz de nós e talvez, também do outro. E para saber o quanto isso diz de nós mesmos e do outro, isto vai depender da intimidade, da disponibilidade e da consciência que temos sobre nós mesmos, principalmente. E em relação ao outro, minimamente, saberemos se tivermos um pouco de intimidade com ele, caso contrário, nada saberemos e supor, não necessariamente, diz quem o outro é. Pode-se ter uma ideia, sentir, intuir, mas saber realmente, só dependerá do quanto de intimidade se tem com essa pessoa. E claro que isso, não quer dizer que você não possa responder ou mesmo reagir frente a qualquer ponto de vista. Porém, essa reação nos revela sempre, diz de nossa maturidade e/ou nossa ampliação de consciência, quanto menos consciente mais a reação é primária ou primitiva/instintiva, podendo ser destrutiva.

E vejam, não estamos falando aqui, de uma atitude equilibrada, no sentido ideal que se prega por aí, isso também não existe. Estamos falando de reconhecimento sobre si mesmo, de consciência, de olhar para si enquanto ser integral e responsável por uma realidade e/ou coletivo menos infantilizados. Nossas imaturidades, existem, fazem parte do processo e nos chamam sempre para serem acolhidas e isso não é feito uma única vez e pronto, como se vendo uma única vez, não houvesse mais nada a se ver ou cuidar. Ou quem sabe apenas vendo uma única vez, adotar uma postura sempre, como se esta fosse a única possível e para todas as experiências. Isto, no mínimo, é nos subjugar, nos menosprezar ou menosprezar todo o potencial que somos, enquanto alma. Temos ou somos em nós mesmos, um potencializador de forças a serem empregues em nossas relações que nos permite a criação de uma realidade mais madura. Esse cuidado é em nossa jornada, constante e continuamente e talvez, devamos manter essa dedicação, atenção e cuidado a nós mesmos, sempre. E nossos impulsos são as energias mais puras em nós, nos sentido de primordial, por isso, não são polidas mesmo, porém, requer de nós a consciência para sabermos o quanto dessa energia podemos usufruir, sendo às vezes, mais assertivos ou menos assertivos, mas é preciso que a dominemos sim, senão, eles nos dominam.

E quando percebemos que o que foi dito, expresso ou mostrando sob um ponto de vista, tem em suas entrelinhas algum aspectos destrutivo? Como lidar com isso?

Sabemos que há situações assim, onde a pessoa fala uma coisa, mas está dizendo outra, completamente oposta, implicitamente. E muitas vezes, quer agredir, quer invadir, quer provocar, desvalorizar a quem ou o quê se refere. Sentimos isso pela via da intuição, farejamos isso e ficamos atentos a situação para agir, diante da mesma. E veja, agir que diferente de reagir. Reagir implica em estar sob domínio de algo que nos afetou, externamente. Agir é estar sob o nosso próprio domínio ou domínio de nossos impulsos. É de dentro para fora e não de fora para dentro a ação que diz sobre você. E como você lida com a sua agressividade, sua possibilidade de invasão, provocação, menosprezo, enfim. Como tudo isso dentro de você é, é como você age ou reage. Quanto mais consciente você é sobre tudo isso dentro de você, menos reação você está submetido. Porém, se não está consciente disso dentro de você mesmo, você fica subjugado ao outro ou ao intuito do outro porque são complementares - o outro talvez não saiba desse aspecto destrutivo dentro de si e se sabe, não lida bem porque está colocando o mesmo para fora de forma destrutiva. Assim como você; se não lida bem ou não está consciente disso, vai reagir e na maioria das vezes, cumpre pelo outro o que era uma intenção dele ou ainda, estava somente velado.

E o que acho mais interessante é que a vida é tão sábia que traz para nós, justamente, aquilo que precisamos aprender ou amadurecer. E quando intuo algo em alguém, nesse nível, fico muito atenta a mim mesma - minhas emoções - como estas emergem e o que elas me dizem. E sim, nem sempre foi assim e nem sempre é assim com todas as experiências, mas em algumas, já me é possível dominar o impulso primário e permitir que dele eu retire a energia necessária para lidar de forma mais ampliada.

E é isso, através desse acolhimento do que emerge dentro de nós, de nossas emoções, podemos tirar disso o necessário para agir diante da situação. Não é se tornar passivo, mas é agir de forma mais genuína, construtiva e criativa; se possibilitando - usufruindo do seu poder, da sua força e assim possibilitando as experiências, relações ou realidade. Explorando assim recursos internos inimagináveis dentro de nós. Isto, claro para quem em si mesmo reconhece essa possibilidade. Porém, posso afirmar, em todos nós há essa possibilidade. Em nenhum de nós falta algo que não possamos lidar de forma mais ampliada.

Aproveitando o que diz a imagem e sinto estar em sintonia com a proposta da reflexão desse artigo, a fala é catarse é "a expulsão ou purgação" de certos afetos em nós, é colocar para fora algo que dentro parece já não ter mais espaço e precisa vir a tona, ser visto, cuidado, olhado. E a escuta é consciência, pois, é como abrir espaço para receber, é silenciar, dar espaço para caber algo que ainda não é presente, vamos dizer assim. E sim, às vezes, precisamos expurgar para abrir espaço dentro de nós, e este expurgo pode acontecer de diversas formas e certamente, dependerá da consciência inerente. Portanto, vejam o quanto fala e escuta, dar e receber estão ligados ou interligados. O quanto em nós há certos aspectos numa dança que pode ser harmônica e não conflituada se assim o permitirmos. Não necessariamente os "opostos" precisam ser contrários, gerando conflito, eles sempre serão opostos porque é da nossa natureza que assim o seja, mas podem ser harmônicos, dançarem juntos. Não é um jogo de opostos é uma dança. Portanto, falar e escutar é algo que é possível, harmonicamente, mas isso precisar nascer, primeiramente, dentro de cada um de nós. Fora, apenas refletimos o que somos ou como lidamos com nós mesmos.

Contudo, é importante lembrar que a criação, sempre trará sementes novas a todos nós, à nossa jornada. Portanto, sempre haverá aspectos primitivos/primordiais a serem absorvidos ou acolhidos por nós. E é natural que diante do desconhecido, de algo que é realmente novo, para nós, mais reagimos do que agimos, propriamente. É natural, nesses casos que sejamos, primeiramente, dominados por esse "impulso primevo", então, certamente agiremos instintivamente, num primeiro momento. Passado essas primeiras experiências com esses aspectos, cabe a nós a tomada de consciência que também é da nossa natureza. Veja, primeiro a "fala, dar, catarse", depois a "escuta, receber, consciência" - uma dança em nós, internamente. E considerando os níveis de consciência em cada singularidade ou personalidade que são infinitamente diversas na humanidade, isto toma uma proporção bastante complexa em se abordar. Contudo, já nos é possível aqui compreender um pouco o porquê cada um reage ou age da forma que "consegue" ou "pode" agir ou reagir. Para cada um há aspectos nascendo ou sendo apresentado de formas diferentes e os serão, por diversas vezes, em diversas experiências, até que sejamos nós a nascer para um novo nível de consciência. Sintamos!

Kátia de Souza - 16/07/2021