A ressurreição da fé
Páscoa. Quantos significados em torno de uma palavra, de uma data, de uma celebração. Palavra que no dicionário tem significados de festa e comemoração, mas que em nossa cultura assume uma importância mais solene e cristã. A páscoa sempre movimentou a economia do país, mas ainda hoje mexe com os sentimentos mais íntimos de cada um. Páscoa é ressurreição.
Católicos, evangélicos e protestantes. Não há outro significado maior para nenhum deles que a ressurreição. Essa linda imagem que consente a vida eterna para todo ser que nela crer. É de fato uma figura de linguagem, mas que acalenta a alma e nos cobre de paz nos momentos em que acompanhamos a passagem de um ente querido para um plano existencial teoricamente desconhecido.
No antigo Egito, muito antes de Cristo, a imortalidade e a ressurreição já eram associadas à superação, como explica o mito da Fênix, simbolizada pela ave Bennu. Mais sábio e forte não é quem não erra, mas aquele que ressuscita, que se dá chances ou permite que suas verdades ressurjam de uma transformação interna. É a reconstrução, o ressurgimento de uma nova pessoa a partir de suas próprias cinzas.
Teobaldo Branco, em sua obra “O fantástico no mundo literário de Erico Veríssimo”, foi feliz em sua análise. Ponderou com uma coerência crítica o universo fantasioso da obra “O incidente em Antares”, que de forma ímpar retrata a revolta de um grupo de mortos. Na estória, descontentes com a vida e com o tratamento a que estavam sendo submetidos após o próprio funeral, ressuscitam de seus caixões antes do enterro, a tempo de reclamar com o prefeito da cidade sobre seus infortúnios. Fantástico.
A fé é algo totalmente pessoal, individual, embora os cultos sejam costumeiramente realizados em grupo. As inúmeras literaturas que hoje encontramos no mercado, como toda obra de arte, admitem diversas interpretações distintas, mas a intenção é convergente. Separar o abstrato do concreto, trazendo a fantasia para nossa mísera realidade mundana. Compreender essa intenção é a grande busca daqueles que assumem viver a palavra de Deus.
Encerro essa coluna então por João 5:28-29, que para mim é o mais completo e sábio versículo da Biblia, que trata sobre a ressurreição: “Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados.”
João foi além de tudo um poeta sábio, por que trata do arrependimento como sendo o juízo próprio de todo mal. A morte de que trata João não é carnal, sepulcral, mas em vida. Sempre há tempo para nos arrependermos, mudarmos de rumo e conceitos. De ouvirmos a verdade maior, a voz interna de nossos corações.
Poeticamente, morremos muitas vezes durante nossa vida, e sempre temos a chance de retornarmos melhor, ressuscitando de nossos próprios conflitos e derrotas. Nossa perfeição é imperfeita e nossos erros são certos.
No entanto, para aqueles que querem garantir o chocolate no domingo, por via das dúvidas, sugiro que continuem lavando os pés na quinta e comendo apenas peixe na sexta-feira santa. Ou o coelho não virá.