A amizade é matemática pura
Amizade é algo que considero vital. Tenho muitos amigos. Amigos de todas as idades, de distintas classes sociais, de diversas etnias e de diferentes predicados. Amigos que somam ideias, amigos que dividem comigo momentos, que multiplicam as rizadas e que diminuem meus problemas. Afinal de contas, será que ter amigos é pura matemática aplicada?
Eu tenho um amigo que, a cada vez que o visito, está trabalhando num trabalho diferente, e ai de quem julgá-lo de inconstante. Seria no mínimo bárbaro, não fosse por vezes também hilário. Para não citar nomes, vou chamá-lo carinhosamente de Brasileiro. O cara vira especialista em qualquer assunto da noite para o dia. Pena essa magia durar apenas 6 meses.
Quando o conheci notei nele um ar intelectual: camisa rasgada no bolso, óculos antigo, cabelo sem corte. Discutimos filosofia, Schopenhauer, Nietche, por simpatizarmos com a filosofia alemã dessa época. Creio que venha dali seu pessimismo, no entanto percebi que vem também dali o alto nível de discussão e sua capacidade de abstrair conceitos. Mais tarde vim a descobrir que sua camisa rasgada era a única que tinha e os óculos “estilosos” ele comprara no famoso brechó da Azenha, em Porto Alegre. Vemo-nos pouco atualmente, mas é um dos amigos que considero bons para discutir e filosofar sobre metafisica, assunto que muito me instiga.
Tenho outro amigo que é um excelente mecânico. Vou chamar esse de Alemão. Sabe tudo da parte mecânica de carros importados e nacionais, motos... Mas, incrivelmente, não sabe ler nem escrever. Certamente por ser teimoso em demasia. Simplesmente ele não aceita que o ensinem nada, então imaginem só como ele aprendeu a ser mecânico! Não conheço pessoa mais chata quando se trata de algo que ele ainda não saiba. Somos amigos de infância e nos falamos atualmente sempre à distância. Mas o que o Alemão tem de chato ele tem de fiel e solícito. É daquelas pessoas que tira a roupa do próprio corpo para lhe ajudar. Amigos assim são sempre queridos e bem vindos.
Vou fala agora de outro parceiro, amigo do peito, que aqui chamarei respeitosamente de Italiano. Esse é louco, doido varrido, digno de internação! Mas eu o compreendo, pois não há no mundo ainda, lei que bote na cadeia homens que amam demais! E se acaso houver, eu o defenderei com unhas e dentes. O cara é gente boa demais, uma alma de pessoa. Um profissional da contabilidade, assíduo, comprometido com seu labor diário. Mas saiu dali, meu amigo, segure o homem... Don Juan de Marco não chegaria aos pés do Italiano. Poeta de mão cheia, e escreve como ninguém. Mas não bastasse o universo das letras, o considero um apaixonado, um inveterado, um ultrarromântico do Mal do Século XXI. Amigo com quem ainda pretendo escrever alguma obra em parceria.
Tenho amigos que são médicos, engenheiros, pensadores, mas também tenho amigos que são jogadores de futebol, mecânicos e comerciantes. Em todas as amizades que fiz, raras foram com fins profissionais ou possuem alguma relação com a profissão que meus amigos executam. Não se trata de opostos que se atraem, mas também não se trata de pensarmos de forma igual.
Fui leitor de uma Coluna que possuía na Folha de São Paulo nosso saudoso Psicanalista Contardo Calligaris, que citou certa vez um ensaio sobre a amizade, “Ensaios” do francês Montaigne, no qual ele afirma que: “na amizade, nossos espíritos se misturam e se confundem a ponto de apagar-se, e de nem sequer saber reencontrar a costura que os juntou. Se me obrigassem a dizer por que eu o amava, sinto que só poderia me expressar respondendo: Porque era ele, e porque era eu”.
Concordo. Penso que a amizade é devida ao momento, ou seja, pelo universo de valor interpessoal que conseguimos entrelaçar, certas épocas ou espaços de tempo, com o outro. Na matemática chamamos de intersecção, onde dois conjuntos, no mesmo universo, distintos ou não, possuem elementos em comum a ambos.
Não importam as semelhanças ou as discrepâncias, mas sim o universo que ambos simultaneamente habitam ou confraternizam. Obrigado, Calligaris.