QUANTO VALE UM AMOR?
Você nasce e já começa a descobrir o mundo através das grades do berço.
Vai crescendo, enfrenta a separação inevitável dos braços da mãe, enfrenta seu primeiro tombo, seu primeiro choque, seu primeiro dia de aula.
Faz amigos (e alguns desafetos), aprende a ler e a escrever, aprende a defender suas idéias, aprende que somos feitos da mesma matéria, mas com valores e vivências diferentes.
Continua crescendo e aprendendo.
Tem crise de identidade na adolescência, descobre a diferença de sexos e oportunidades para cada um, descobre que o mundo sempre foi dos homens, porque as mulheres deixaram. E que os pais não são heróis.
Tem crise de escolha de carreira, crise de primeiro emprego (ou desemprego).
Defende seu time de futebol, seu partido político, sua forma de encarar a vida, suas convicções.
Está pronta, está formada, talvez tímida, talvez extrovertida, mas você inteira.
Aí conhece o amor. Encontra aquela pessoa especial, aquela que não acreditava que existisse, aquela face inesperada, aquela voz, aquele beijo...
Aquele que desperta em você as sensações mais loucas, mais lindas. Aquele que ensina a você o que é poesia.
Tudo lindo, tudo novo, tudo maravilhoso.
Mas... a pessoa querida, amada, idolatrada, salve, salve, não tem lá as mesmas idéias que você.
Pior! Não aceita, de maneira alguma, que você as tenha diferentes das dele.
Vive desconfiado, inseguro, tentando depreciar o que você faz, diz e pensa, supervalorizando o que não tem tanto valor assim, para disfarçar suas próprias falhas.
E você sofre, ah, como sofre!
Sim, porque, em nosso meio, ser mulher é ser renúncia, é aceitar aquilo que o parceiro oferece e ainda dar graças pela oportunidade de ter encontrado alguém tão incrível.
Coitadas dessas “zinhas” por aí, que ousam impor seu ponto de vista. São consideradas pessoas que não valem nada, mulheres mal amadas, insatisfeitas sexual e afetivamente, frias, desequilibradas. Até o século passado, eram loucas, mentalmente perturbadas, devendo ser afastadas do convívio de pessoas “normais”.
À custa do sacrifício dessas e de outras tantas, que pagaram com o ostracismo, a difamação e, até mesmo, com a vida a ousadia de ter idéias e defendê-las, é que hoje posso escrever sobre esse tema, sem incorrer em abusos da lei dos homens (ao menos, sem ser penalizada).
Bem, voltando ao amor, e aí? O que acontece?
Você o ama, o quer, não pode ficar sem ele. Ele ama você, quer você, mas não aceita você. Agride e fere você em cada oportunidade que você lhe apresente sua maneira independente de ser.
Vai colocar na balança? Vai ceder e anestesiar a imensa ferida que irá se formar?
Não se iluda que essa anestesia nunca vá acabar. Vai sim. Mas, talvez, deixando seqüelas irreversíveis na sua alma de mulher.
Por um lado, você, mulher livre, independente, dona do seu nariz, acostumada a decidir, a trabalhar e ganhar seu sustento, habituada a comandar os rumos da sua vida, escolhendo o que serve ou não para si.
Por outro, ele, o amor, o fascínio, a aura de felicidade que você sempre sonhou.
Está disposta a pagar por ele qualquer preço? O quanto ele vale?
Vale sua liberdade? Vale seu passado, suas vivências, suas amizades, seu próprio governo?
Vale a troca do certo pelo duvidoso? Ou você acredita no “felizes para sempre”, numa época em que já somos carecas de saber que o máximo que vamos conseguir é o “que seja infinito enquanto dure”?
Pense bem, pese prós e contras.
Nada, mas nada mesmo, vale você. Você é a coisa mais importante da sua vida. E você é isso, esse conjunto de características. Se mudar uma delas, seja pelo que for, já não é mais você.
E não se trata de ceder uma coisinha, para obter outras tantas. Trata-se de calar, de amordaçar, de abrir mão de toda uma luta de tantas mulheres que padeceram por seus ideais, para que você pudesse hoje chegar onde está.
Então, toda vez que o amor bater à sua porta, cordeirinho, mas avançando lentamente, causando um desconforto que você não sabe explicar, mas que sente e sente bem, investigue o lobo por baixo da pele desse cordeiro, veja suas reais intenções, antes de abandonar o projeto de mulher feliz e plena, para tornar-se companheira de conveniência, escrava pseudo-contemplada com a sorte grande.
Se o sacrifício não for tão grande assim, e a promessa de felicidade for, para você, palpável, tente fazer a escolha certa.
Mas, se a dor da perda da sua condição de livre e autêntica não tiver uma retaguarda que valha muito a pena, tenha consciência disso e a dignidade de dar a volta por cima e dizer NÃO. Por que é que é você quem deve sempre ceder? Se ele o ama tanto assim, por que ele não aceita seu modo de mulher século XXI?
Quem sabe, com esse não, você não conquiste um espaço importante para as mulheres que ainda virão?
Dorian Gray vendeu a alma ao Diabo, pela juventude eterna (“O Retrato de Dorian Gray” – de Oscar Wilde).
Você vai vender sua liberdade?
O amor vale muito sim, vale quase tudo, só não vale que você venda sua condição de MULHER, e com todas as letras em maiúsculo.
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