O público e o privado na Saúde no Brasil
Neste dia, 29 de junto de 2021, saiu uma matéria na UOL, apontando que o setor privado deve quase 3 bilhões de reais ao SUS. Também saíram durante a semana, matérias em outros jornais, apontando para o aumento da fortuna de empresários que atuam na saúde neste período da pandemia da COVID-19, mostrando que a sensibilidade passa longe da ganância de quem enxerga na doença do ser humano a galinha dos ovos de ouro.
Existe no Brasil uma lacuna existente de preparo aos gestores do sistema público de saúde, para a competência de negociar preços com o setor privado nos atos de compras de serviços e produtos. Com isso, no geral, quanto à relação público e privado no setor de saúde no Brasil, o relacionamento gerou como filha, uma saúde cara para os cofres públicos, ou seja, para nós, pagadores de impostos. Se o motivo pode ser por que de um lado tem o setor privado buscando lucro, do outro, não devemos tapar os olhos para a deficiência na competência em negociação pelos gestores públicos e para o desperdício, mal uso ou ineficácia de muitos produtos e procedimentos disponibilizados pela saúde pública.
A herança dessa relação disfuncional da saúde pública com o sistema privado (modelo liberal privatista), pode ser remetida à década de 60, após o golpe militar, através do funcionamento do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que diante da incapacidade de oferta em saúde pelo governo aos trabalhadores vinculados ao sistema previdenciário da época, buscava no sistema privado, por meio da barganha de repasses financeiros, a supressão da demanda. A partir do final da década de 70, com o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), a busca pela parceria com o sistema privado se tornou ainda mais vigente pela saúde pública, com mais ônus do que bônus a ela. E a realidade atual é de que, com ¾ da população dependendo exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, ainda se investe muito mais no setor privado em saúde, fazendo caracterizar a condição de um SUS feito para todos, mas, se firmando com a alcunha de um plano de saúde para os pobres.
Não faz jus o tamanho da lacuna, à memória de Sérgio Arouca, que foi um dos principais defensores e difundidores da medicina preventiva que norteia o modelo do SUS. Justamente a medicina preventiva, se valorizada como modelo prioritário no SUS, tende a ser um fator protetivo das finanças da saúde pública. Complementar a isso, a Saúde no pais só se efetivará se outras reformas de outros setores também avançarem. E isso se faz tão necessário, quando ao olhar também para as limitações e falhas dos planos privados de saúde, acaba-se voltando a atenção de novo ao SUS, como um modelo que tem margem para ser mais resolutivo.
As mazelas do SUS são mostradas quase todos os dias em nas manchetes pelo país, ainda mais em tempo de pandemia. Não consigo chegar à conclusão de se tratar de maldade por parte da mídia. Penso, que seria mesmo a estratégia de melhorar o SUS que faria aparecer a mídia como parceira. Sabemos que o setor privado patrocina a mídia, e a relação de barganha não é a mesma quando é o setor público a financiar a fazer parceria com a ela. Mas ainda assim, a mídia, não inventaria outra realidade, caso os aspectos positivos do SUS se sobressaíssem ao olho nu diante da população.
Os principais desafios do SUS e como podemos contribuir como cidadão no seu avanço estão interligados. Vai do nosso olhar crítico, no interesse em observar e avaliar tanto os políticos, quanto os gestores e profissionais que atuam e prestam serviços públicos na saúde – com ressalvas e atenção para a dupla militância dos profissionais que atuam no setor privado e público, e tiram proveito deste, mas, dão maior retorno em dedicação àquele. Podemos fazer parte das bases de sustentação política do SUS, no envolvimento com os sindicatos, com conselhos ou serviços de saúde, com partidos e certos movimentos em defesa do SUS, grupos intelectuais ou a partir de algumas instituições, e assim podemos contribuir no fortalecimento da saúde pública. Porém, sabemos que há forças contrárias. E seria ainda necessário de sermos multiplicadores para instigar mais pessoas e movimentos em defesa do SUS.
Chega a soar estranho, ter que fazer movimento de apologia ou de propaganda do SUS, mas, sabemos, que a mobilização para o entendimento dos avanços é necessária, pelo que se perde de informações entre gerações e pelo que houve de invisibilidade para uma grande parcela da população no processo de construção e no que representa o SUS. Enquanto não acontece essa sensibilização geral pela coisa da saúde pública, continuaremos a ver um SUS pagador de faturas ao setor privado por atos ou processos médicos isolados, facilitando dispositivos à corrupção ou colaborando com os critérios disfuncionais de mercado.