O Dia Internacional da Mulher e a real situação das mulheres hoje

O que temos a comemorar no Oito de março? Se é que temos... Dia em que equivocadamente costumamos receber rosas... O dia oito de março, Dia Internacional da Mulher, não é um dia para se receber rosas, aliás, não gosto de receber rosas... Pelo simbolismo que está por trás. Então, uma mulher recebe rosas e depois é assassinada dentro de sua própria casa? Esse dia é um dia para se refletir sobre ganhos e perdas para as mulheres em pleno século XXI, após tantas lutas desde a Revolução Francesa (século XVIII).

Há praticamente um ano em que nos vimos obrigados a permanecer “enclausurados” em nossas casas, boas casas, diga-se de passagem, com conforto, água encanada, luz elétrica, comida saudável, boa estrutura para o trabalho e, mesmo assim, encontramos dificuldades para realizar nossas tarefas, quero propor uma reflexão para o dia internacional da mulher, após um ano dessa catástrofe mundial, mas que, em nosso país, se estabeleceu de modo muito mais dramático e desastroso.

Vamos tentar fazer um exercício de imaginar como vivem a maioria das mulheres brasileiras. Como vivem as mulheres das periferias das grandes cidades, as mulheres ribeirinhas do norte do país, as mulheres indígenas, as mulheres quilombolas, as mulheres camponesas? A grande maioria se encontra em trabalhos precarizados, sem carteira assinada, sem muita escolarização, sem assistência do Estado, muitas, nem mesmo documentação possuem. Mulheres, meninas, negras, pobres, indígenas, ribeirinhas, camponesas, largadas à própria sorte. Sorte? Destino? Ou, sistema capitalista, racista, patriarcal, desumano, cruel, injusto? Que explora, divide a sociedade e as pessoas em diferentes classes. Expostas a todo tipo de violência, opressão, exploração, apropriação.

Neste momento de pandemia, é preciso levar em conta que 85% dos trabalhadores da saúde são mulheres, assim como, dos cuidadores, ou melhor seria dizer, das cuidadoras, de idosos e pessoas doentes. São elas as mais expostas, elas que já eram antes da pandemia, continuam sendo as mais afetadas pela pobreza, o desemprego*, a fome, a falta de políticas públicas e o total desamparo do Estado. Elas, as vítimas da violência, do feminicídio, do assédio, do racismo e do patriarcado.

Historicamente, em nosso país, a pobreza tem sexo e cor. Quanto à violência, este infortúnio chega também nas classes mais abastadas, atingindo mulheres de todas as cores, crenças, raças... Contudo, a impunidade é maior para os crimes praticados contra mulheres negras e pobres, quando eles vêm à tona.

Quantas Marielles ainda terão que morrer e seus crimes permanecerão impunes? Quantas Marias, Lúcias, Suzanas, continuarão morrendo por falta de atendimento nos hospitais? Quantas Mirtes (quase sempre mulheres negras) terão que deixar seus filhos com as patroas (brancas) e estas não cuidarão, permitindo que a criança caia do nono andar de seu prédio? Quantas empregadas domésticas morrerão por complicações pelo Covid19 após terem sido contaminadas por suas patroas que viajaram para um país que elas jamais conhecerão? Quantas Vivianes, Thalias, Evelaines, Lonis, Anas Paulas, Alines, morrerão assassinadas por seus ex-maridos dentro de suas próprias casas diante de seus filhos e filhas? Quantas meninas (crianças) de 10 anos serão estupradas e engravidarão de seus padrastos e a sociedade hipócrita gritará para elas não fazerem o aborto, chamando-as de “assassinas”?

Infelizmente, não temos muito a comemorar. Muito menos rosas hipócritas a receber... A urgência e a necessidade são pela reflexão. O que ainda é possível fazer para mudar essa situação? De qualquer modo, não podemos desistir da luta! Porque se não, Eles terão vencido. E as rosas? As rosas serão para os caixões...

* Dados recentes do IBGE revelam que o desemprego afetou muito mais mulheres que homens durante a pandemia. E, entre os negros, também foi maior que entre brancos.

(Publicado em 08 de março de 2021 no Jornal O Tempo, Minas Gerais)

Vera Kalsing
Enviado por Vera Kalsing em 28/05/2021
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