Maio da princesa e da rainha
O Brasil teve uma princesa. Isabel passou para a história por ter assinado em 1988 a Lei Imperial nº 3353, conhecida como Lei Áurea que decretou extinta a escravidão no Brasil. Com a proclamação da República, em 1889, teve que fugir para o exílio e morreu na Normandia, França, no dia 14 de novembro de 1921. Em 1953 seus restos mortais foram levados para o Rio de Janeiro e depositados no Mausoléu da Catedral de Petrópolis.
Durante muito tempo as narrativas sobre escravização e libertação foram romantizadas. Hoje sabemos que a Lei Áurea foi consequência de muita pressão externa e da mobilização de setores da sociedade local, associado a fugas em massa e desobediência civil. Enquanto o Haiti foi o primeiro país a abolir a escravidão na América em 1794, o Brasil foi o último.
A celebração naquele dia 13 de maio foi grande com milhares de pessoas em volta do Senado e do Paço Imperial, teve bandas, desfiles e muita festa, porém o dia 14 e os 133 anos seguintes foram de novas lutas e dificuldades para os libertos e seus descendentes. Faltaram políticas públicas para a garantia de inclusão social. Sem terra, sem emprego, sem educação e outras condições mínimas, além da chegada crescente de imigrantes melhor remunerados, o país antes dividido entre senhores e escravos passou a ser dividido entre negros e brancos. A libertação continua incompleta até hoje.
Assim, o movimento negro deixou de comemorar o 13 de maio e assumiu o 20 de novembro, data de nascimento do herói Zumbi dos Palmares para destacar a cultura afro-brasileira e a necessidade de debater e adotar ações concretas contra a desigualdade social, o racismo, o preconceito e a discriminação racial.
Neste ano, a melhor referência para homenagens no mês de maio é o centenário de nascimento de Ruth de Souza que foi a primeira atriz negra a encenar no Theatro Municipal do Rio com a peça "O Imperador Jones". Fez parte do Teatro Experimental do Negro, em 1945, grupo organizado por outro ícone dos movimentos sociais, o ativista, ator e político Abdias do Nascimento. Ela também foi a primeira atriz negra a protagonizar uma telenovela: A Cabana do Pai Tomás (1969).
Ao longo da carreira, sempre cobrou espaço para os negros nos diversos setores culturais. Brigou para a existência de diversidade de papéis, fugindo dos tradicionais personagens caricatas ou ridicularizados. Primeira artista nascida no Brasil a ser indicada ao prêmio de melhor atriz em um festival internacional: o Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 1954, com dignidade e altivez invejáveis, levou seus princípios éticos, artísticos e profissionais por onde passou e tornou-se referência para diversas gerações de artistas negros que, se hoje, possuem espaço na dramaturgia, muito se deve a ela.
Ruth Pinto de Souza faleceu em 28 de julho de 2019, aos 98 anos e ao longo dos 70 anos de carreira, participou de 30 peças teatrais, 40 novelas, 30 filmes e várias outras produções. Todas as homenagens, ainda, são poucas para a rainha sem trono, mas que sempre reinará em nossos corações.