A morte pelo novo coronavírus tem cor
Uma matéria publicada no dia 13 de abril (de 2020) em vários meios de comunicação: seja na mídia impressa, digital ou televisiva, deve nos fazer pensar e nos deixar alertas: diz a matéria que “Dados do Ministério da Saúde apontam que coronavírus é mais letal entre negros no Brasil”.
Segundo o relatório do Ministério, “embora sejam minoria entre os registros de afetados pela doença, pretos e pardos representam quase um (1) em cada quatro (4) dos brasileiros hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (23,1%), mas chegam a um (1) em cada três (3) entre os mortos por Covid-19 (32,8%). Com os brancos, a situação ocorre de maneira inversa: são 73,9% entre aqueles hospitalizados com Covid-19, mas 64,5% entre os mortos”.
Bem, esses dados devem nos levar à reflexão sobre a situação dos negros no Brasil. Uma situação que não foi resolvida desde a abolição da escravatura em 1888. E, a despeito de se ter construído no Brasil uma ideia de que vivemos em uma democracia racial, é mais do que óbvio que se trata de uma falácia, é o mito da democracia racial. É só olhar os dados sobre acesso ao mercado de trabalho, escolarização, tipo de trabalho, taxas de desemprego, etc, que iremos constatar que as diferenças entre brancos e negros são gritantes no país.
A ideia do novelo patriarcado-racismo-capitalismo da socióloga brasileira Heleieth Saffioti, da simbiose entre os três sistemas de dominação-exploração, se coloca como um referencial teórico importante para entender a realidade social, essa realidade tão perturbadora com a qual estamos nos deparando. As mulheres e os negros, em especial, a mulher negra, são os mais afetados pela pobreza no Brasil e no mundo. A pobreza que cresce em escalas globais em meio à busca desenfreada pelos lucros dos países ricos.
É a população negra a mais desfavorecida no nosso país, com condições de moradia e saneamento básico precárias, com menos acesso à assistência de saúde, com alimentação precária, vivendo nas periferias das grandes cidades, por isso mesmo, é justamente essa população que está mais exposta neste momento, pois precisa trabalhar, normalmente são diaristas, trabalhadores de serviços gerais, seguranças, montadores dos hospitais de campanha, enfermeiros e enfermeiras, ou técnicas de enfermagem, cuidadores e cuidadoras, lixeiros, porteiros de edifícios, ou seja, os serviços essenciais, dos quais tanto necessitamos, e também eles e elas, não podem se dar ao luxo de permanecer em casa, como as classes mais favorecidas. São também justamente esses trabalhadores que, ao não terem renda, ou por estarem na informalidade, os que mais precisam do auxílio dos míseros R$ 600,00 do governo federal e, muitas vezes, nem sequer conta bancária possuem, então precisam se aglomerar em filas, colocando novamente suas vidas em risco.
E, como li em um texto publicado na página da organização feminista SOS Corpo, “para que serviços essenciais continuem a funcionar, pessoas que sempre estiveram às margens do sistema-mundo capitalista-racista-patriarcal são colocadas em risco maior, pois seguem trabalhando nas ruas, para garantir seu sustento”.
Nos EUA, país mais rico do mundo, a situação não é tão diferente da nossa. Lá, eles não possuem sistema de saúde público como nós temos o SUS. Então, quem tem dinheiro, vai ao médico, quem não tem, não vai. A maioria dos que estão morrendo são negros e latinos, pobres. São as maiores vítimas porque moram em condições precárias, expostos à poluição e, por isso apresentam as comorbidades, asma, hipertensão, diabetes. Ou seja, estão entre os grupos de risco.
No Brasil, dizem que ainda nem chegamos ao pico da curva da proliferação do vírus e, os que estão sendo contaminados, muitos, pertencem às classes mais abastadas. Ou seja, ele ainda não chegou com peso nas favelas, nas aldeias indígenas, nas comunidades ribeirinhas e quilombolas. Como será quando chegar? O vírus pode até atingir a todos sem discriminação. Agora, quem sairá com vida, são os que têm condições de sobreviver, em razão do acesso a saúde e alimentação de qualidade, assim, apresentarão melhor imunidade e, consequentemente, poderão ter mais chances de não apresentar o estado grave da doença. Não ficarão expostos, poderão ficar em casa. E, quanto ao pobre, a maioria, negros, como fará isso? A realidade já está mostrando.
(Publicado em 11 de maio de 2020 no Jornal O Tempo, Minas Gerais)