A pandemia do coronavírus e o trabalho não valorizado

Este é um momento para refletir sobre a importância do trabalho realizado, na imensa maioria, por mulheres, em nossa sociedade: o trabalho doméstico. Como não podemos chamar nossas diaristas, entre casais que de fato dividem as tarefas domésticas, esse trabalho deve então ser realizado pelo homem e pela mulher: cozinhar, varrer, lavar a casa, o banheiro, lavar louça, roupas, coisas difíceis, não é? Trabalho chato, cansativo e, mais do que tudo, invisível, porque daqui a pouco, tudo estará novamente e igualmente sujo.

Não precisa ser feminista para saber que esse trabalho, além de chato e cansativo, nos rouba muito tempo, porém, é necessário. O que a maioria das pessoas não questiona, porque não é levada a isso, é por que esse trabalho não é valorizado socialmente e, assim, devidamente remunerado, já que é um gerador de riqueza como qualquer outro? A resposta? Porque é realizado pela classe das mulheres. Será que se fosse realizado pelos homens, ele seria reconhecido e então remunerado? Não tenho dúvidas que sim!

Ainda, devemos questionar o trabalho realizado por outra classe: os negros, pois é, um trabalho braçal. Alguém está preocupado com os lixeiros que passam para recolher o lixo que produzimos diariamente, agora, em maior quantidade por estarmos em casa? Já se perguntaram por que a imensa maioria desses trabalhadores são negros? Como faríamos se eles deixassem de passar? Todos estamos em casa. Quem pode, na verdade. E eles? Já ouvi questionamentos de que os trabalhadores parados param o Brasil, pois param a economia, isto é, o capitalismo precisa do trabalho da classe trabalhadora.

A meu ver, a compreensão disso desde as feministas materialistas que explicam a realidade social a partir do que elas chamam de consubstancialidade das relações de classe, “raça” e sexo, se mostra interessante. Para elas, não existe relação social sem oposição, sem antagonismo, como diria o bom e velho Marx, tão demonizado e, às vezes, até, esquecido.

Para essas feministas, as relações de sexo, raça e classe são relações dialéticas, contraditórias, antagônicas. Mas, diferente do marxismo ortodoxo, nenhuma relação social é primordial ou tem prioridade sobre outra, segundo a socióloga Danièle Kergoat, por isso, essas três relações mencionadas são consubstanciais, elas formam um nó, se reproduzindo e se co-produzindo mutuamente.

Para que esse nó seja desatado, é preciso, primeiro a compreensão de seu funcionamento, o que vai permitir a tomada de consciência dessas classes, seja das mulheres, dos trabalhadores ou dos negros, e assim levará à emancipação da sociedade!

(Publicado em 06 de abril de 2020 no Jornal O Tempo, Minas Gerais)

Vera Kalsing
Enviado por Vera Kalsing em 26/05/2021
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