Não somos um, somos dois
Não somos um, somos dois
Luiz Alberto Silveira
Temos dificuldades em conviver conosco porque não somos um só, somos dois. Às vezes um de mim não consegue conviver em paz com o outro que sou. Amiúde um de mim escraviza o outro que sou, gerando inquietude e ilusões capazes de produzir turbulências difíceis de serem eliminadas. Toma conta continuada dos meus pensamentos e gera atitudes que o outro de mim não deseja. O melhor de mim é capaz de perceber, sentir, analisar e concluir que a exaltação e iluminação que podemos alcançar diz respeito à beleza da existência, ao amor que se pode angariar e oferecer. O melhor de mim diz respeito à paz que posso sentir e produzir nos meus relacionamentos familiares, com os amigos, com a natureza e compromissos. O melhor de mim é capaz de perceber a importância da
honestidade, da ética, da fraternidade, da caridade, da generosidade. O melhor de mim é capaz de dizer todos os dias: venha, chegue-se ao meu lado, eu sou e serei sempre alguém que você poderá contar.
Este eu – que é o melhor de mim – está além dos raciocínios mentais que buscam sempre as preocupações do passado, escravizam pensamentos em eternos conflitos incapazes de superar mazelas, eliminar mágoas e coisas mal resolvidas, jogando-me numa roda viva de queixumes e lamentos.
Este eu, que é o melhor de mim, é capaz de identificar no outro que sou e dizer-lhe: – Não, não faça isto, não pense assim, há outro caminho, a vida é para ser vivida agora, a felicidade é para ser obstinadamente buscada hoje sem ser atropelada por lutas que não se acabam e ambições que não se extinguem. E quando eu, no melhor de mim, conseguir convencer o outro que sou, terei encontrado a exaltação espiritual e a lapidação que iluminará existências (incluindo a minha), terei encontrado a razão de ser e existir. Aí o melhor de mim conversará com o outro que sou em silêncio, ou até em voz alta, e lhe dirá: – Obrigado por entender que sou o seu melhor de nós.