De quantas almas meu espirito é feito
De quantas almas meu espírito é feito ?
Luiz Alberto Silveira
Afinal, não sei quantas almas tive, mas por certo muitas foram e me deixaram a herança do que sou.
As vezes sinto que já fui o que não sou, que desejei e já passou, que estive em lugares que nunca vi e vejo pessoas, em minha mente e sonhos, de quem nada sei.
Os genes (hoje meus) dos ancestrais que tenho, dão ao meu corpo um multicolorido étnico. De quantas nações meu corpo é feito? Disto posso saber pelos meus antecedentes ou por estudo genético.
Agora, DNA, RNA, proteínas, reações químicas e hormônios pensam, têm consciência? São capazes de ter saudade, de projetar amanhãs, de fazer sentir o que sou? Qual a proteína ou gene capaz de esconder o que não quero que saibam, que me faz sentir solidão, emoção, deserto e inquieto? Que me faz sentir o desespero da ausência, o cansaço da espera, a beleza que me rodeia?
Que reação química desenhou quem escolhi para amar, que protoenzima me faz mudar de ideia instantaneamente e ver o que só eu vejo?
Que gene me permite sentir os caminhos e perceber minha passagem com tudo que penso, digo e faço?
Como explicar quando surpreendo-me olhando a mim? Eu, olhando-me, somos dois seres – eu e a quem eu olho.
Este eu que me viu nascer e verá meu corpo sucumbir. Este eu sem colorido biológico que tem no olhar a esperança, que sente o que está distante e brilha de emoção na presença, que sou eu aonde eu for e dará adeus quando na terra o corpo fará sua entrega.
Aonde irá meu presente e meu passado quando o corpo fica?
Afinal, tanta coisa sentida é conteúdo para ser cremado ou fincado na terra? É possível dizer: aqui jaz minha alegria, aqui jaz o amor que dediquei, a bondade que espalhei, o socorro que negligenciei, a atenção que não dei, o disfarce dos meus enganos, a plenitude dos meus anos, a beleza dos meus favores?
Onde ficarão as canções, as emoções, os sentimentos, os sentidos, os perfumes e ardumes, no corpo que soçobrou?
Enfim, alguém sabe cremar ou sepultar dor, sabor, perfume, louvor, crença, alegria, felicidade, amor?
Por fim, olhando a todos que pensam que ali estou, que não me podem ver o olhar, me restará dizer adeus e devagarinho desprender-me, ficando só, surpreso comigo que continuo vivo, sussurrando obrigado irmãos, este sou eu que ali estava e agora buscará desvendar todas as heranças incorporadas do que já fui e que construiu o magnífico tesouro espiritual só percebido e entendido em nova aurora elevada... que um dia será contada.