Tudo começa numa das duas salas de reflexão que existem no palácio do GOL, junto aos templos, no 2º piso. São dois cubículos, negros, onde ficam sentados à espera, rodeados por uma vela acesa, pão, água, uma caveira, uma ampulheta e três recipientes com mercúrio, enxofre e sal, materiais que os maçons usam como símbolos. Em tempos, colocavam-se ali tíbias reais que vinham das valas dos cemitérios. E as caveiras usadas também eram crânios de seres humanos. Hoje em dia, as tíbias deixaram de ser utilizadas e as caveiras passaram a ser de plástico. Ao fim de algum tempo, pode ser uma ou mais horas, o candidato é levado para um dos templos. Aí, despem-lhe uma parte da camisa, ficando nu na zona do coração, arregaçam-lhe as calças da perna direita e descalçam-lhe o pé esquerdo. Uma corda é-lhe colocada à volta do pescoço e põem-lhe uma venda nos olhos. O líder do grupo coloca-lhe uma espada junto ao peito e faz-lhe perguntas, enquanto lhe vai explicando que a espada serve “para castigar o perjúrio” e é “o símbolo do remorso que rasgará o seu coração se se tornar traidor à fraternidade em que pretende ser admitido”.
 
Germano de Sousa, antigo bastonário da Ordem dos Médicos, de 74 anos, foi iniciado em 1978, num dos templos do GOL. O facto de uns anos antes, em 1967, quando acabou o curso de Medicina, ter sido, recorda, perseguido pela PIDE, a polícia política do Estado Novo, fê-lo depois mais tarde “dar valor aos princípios” da maçonaria. “Quando acabei o curso não me deixavam entrar nos hospitais para fazer o estágio”, conta, explicando que para ele a maçonaria tem “um papel fundamental” nas épocas em que estão em causa valores como a liberdade. Hoje, na Loja Lusitânia de São João, tenta tornar-se “um homem melhor”, explica. Nas reuniões, garante, debatem ideias. “Dentro dos templos nunca discutimos religião ou política. Mas falamos de temas atuais”, acrescenta. Este ano, Germano de Sousa apresentou numa sessão maçónica a sua posição crítica sobre a eutanásia. Nas lojas, além de seguirem rituais, os maçons discutem ideias através do que chamam pranchas — trabalhos que os ajudam a subir de grau e a promover debates internos.
 
Na loja do GOL liderada por Mário Jorge, clínico de 62 anos que preside à Federação Nacional dos Médicos, discutiu-se recentemente o tema da inteligência artificial. O dirigente sindical entrou para a maçonaria, para a Loja Ocidente, no início do ano 2000, depois de sair do PCP, partido que proíbe que os seus membros sejam maçons. “Mas conheço pessoas do PCP e do Bloco que são do GOL”, avisa. Hoje, Mário Jorge, um dos sindicalistas que lideraram a última greve dos médicos, é o venerável da Loja Salvador Allende do GOL e garante que há um papel atual a desempenhar pela maçonaria. “Quando na Europa se assiste à ascensão de forças políticas fascistas, a maçonaria torna-se ainda mais importante”, diz, recordando que, nas eleições francesas, o Grande Oriente de França fez um comunicado a apelar ao voto em Emmanuel Macron para ajudar a derrubar Marine Le Pen.
 
Mário Jorge é ainda um dos homens que têm entre mãos o projeto da unidade de cuidados continuados do GOL que o atual grão-mestre quer criar. O processo está, no entanto, em stand-by, depois de ter originado uma batalha dentro da obediência. Fernando Lima queria vender alguns imóveis que integravam o espólio do Internato de São João, uma IPSS controlada pelo GOL e que detém dez propriedades: um edifício, na Travessa do Loureiro, que valerá 1.700.000 euros, mais cinco prédios de habitação e quatro terrenos. Mas alguns maçons contestaram a ideia e o processo parou. “Mas esse projeto era bom até para desmistificar a campanha antimaçónica que existe em Portugal, pois apresentávamos obra feita”, alega Mário Jorge, que é um frequentador assíduo das sessões da sua loja.
 
AVENTAIS, MÚSICA CLÁSSICA E JANTARES
Os maçons costumam reunir-se nas lojas de 15 em 15 dias. Durante os encontros e os rituais é comum ouvirem música clássica enquanto vai soando o som das marteladas,do malhete, o martelo de madeira usado pelos líderes que comandam o grupo. Em todas, há velas acesas e os maçons estão de fato escuro e camisa branca lisa com gravata ou laço preto. Alguns vestem antes um balandrau preto, uma espécie de toga. Todos têm obrigatoriamente de usar aventais. Os dos aprendizes são brancos com a aba levantada; os dos companheiros são iguais mas com a aba deitada; já os dos mestres têm três rosetas. O verso deve ser forrado a negro e com uma caveira estampada a branco. Em todas as reuniões passa um saco preto, a que chamam “tronco da viúva”, onde podem colocar ou retirar dinheiro, caso algum precise.
As leis internas do GOL revelam o nível de entreajuda que tem de existir, ao definir que, quando for necessário, os membros têm de “tomar sob sua proteção, por adoção, filhos menores de maçons dos quadros da obediência”.
Durante as refeições, que são conhecidas entre eles por “ágapes”, os maçons usam uma linguagem codificada: os copos são “canhões”, os pratos “telhas”, as colheres “trolhas” e os garfos “tridentes”. O vinho branco é chamado “pólvora forte branca” e o tinto “pólvora forte vermelha”.
Muitas das estratégias de atuação são definidas à mesa, em encontros fora dos templos. Há grupos que se reúnem regularmente em restaurantes com objetivos concretos.
Intitulam-se illuminati.
A verdade é que hoje a necessidade de mudar e reconquistar a influência é um dos temas de conversa dos maçons, que, sempre que entram no palácio do GOL, se deparam com os sucessos do passado. No museu maçónico, situado por baixo das salas onde se reúnem, estão símbolos do poder que já tiveram: ali está o malhete em prata que pertenceu ao general Gomes Freire de Andrade e o avental de Gago Coutinho.
Para alguém entrar na maçonaria tem de ser proposto numa loja. Há sempre um maçom que se assume como o padrinho e faz uma petição para o novo membro. No GOL há um documento de três páginas onde consta o nome do candidato e onde este tem de responder a algumas perguntas — se está arrependido de algo que fez na vida ou se já foi alvo de algum processo, mesmo que arquivado — e tem de indicar os nomes dos amigos e dos inimigos. As folhas são colocadas num envelope onde se escreve “Reservado ao Altar” e inicia-se assim o processo de admissão. Pelo meio, através de maçons previamente escolhidos, são realizadas investigações à vida do candidato, antes de o caso ser decidido nas reuniões maçónicas. A votação secreta é, em regra, feita pelo sistema de “bola branca, bola preta”. Depois de aprovado, o maçom é chamado para ser iniciado.




 
ANTÓNIO PEDRO FERREIRA no site Express.pt
Enviado por SirMárioHonorário em 01/03/2021
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