Felipe Neto, Álvares de Azevedo e Machado de Assis, qual deles presta um desserviço à nação?

O célebre escritor alemão Johann Goethe, autor das obras Fausto (poema trágico) e de Os Sofrimentos do Jovem Werther (seu primeiro romance) escreveu que “O declínio da literatura indica o declínio de uma nação”. Compreenda-se que a formação acadêmica, moral, ética, política, filosófica perpassa a leitura das grandes obras literárias, haja vista que elas instigam o homem a refletir sobre sua própria realidade, sobre os dilemas que o assolam e sobre os valores e conceitos que devem se sobrepor aos conflitos.

Hans Rookmaaker, holandês e excelente crítico da arte, diz em seu livro “A arte não precisa de justificativa” que “a arte tem um lugar complexo na sociedade. Ela cria as imagens significativas pelas quais são expressas coisas importantes e comuns. Por meio da imagem artística, a essência de uma sociedade torna-se uma propriedade e uma realidade comuns. Ela dá forma a essas coisas não só intelectualmente, mas também de modo que elas sejam absorvidas emocionalmente, em sentido bem amplo. Emocional não quer dizer anti-intelectual. É mais que intelectual”.

Não obstante, nossa sociedade entregou o ensino de nossa arte de forma geral e especificamente nossa literatura à mera historiografia, quando não ao total esquecimento (obviamente que há muitas exceções, professores dedicados, habilidosos e amantes da arte). A literatura no ensino básico está deveras em estado embaraçoso, frise-se, todavia, que é um problema também de método e não meramente de escolhas de livros como andam golfejando certos influencers digitais.

Os livros universais que na educação clássica eram lidos, relidos, declamados e memorizados por crianças; hoje nem sequer são, ou deveriam ser, indicados aos adolescentes por serem considerados complexos. Obviamente, há julgamentos ao ensino do período clássico, sua restrição a determinados grupos sociais é uma crítica contundente, mas sua metodologia provou sua eficácia, afinal, ela fez diversos nobres conhecerem profundamente dezenas de idiomas, manusear armas, tocar múltiplos instrumentos e compreender distintas ciências.

Os brasileiros Álvares de Azevedo e Machado de Assis tornaram ao debate público quando um cara de 33 anos que se comporta como um eterno adolescente inconsequente decidiu usar de sua grande influência, reconhecida até pela revista americana Time (compreende-se o porquê de termos uma geração de tolos), para expor sua opinião sobre os tão aclamados escritores. O pós-doutor em Educação e Literatura pela Universidade Internacional Besteirandes do YouTube, Felipe Neto, considera que “Forçar adolescentes a lerem romantismo e realismo brasileiro é um desserviço das escolas para a literatura. Álvares de Azevedo e Machado de Assis NÃO SÃO PARA ADOLESCENTES! E forçar isso gera jovens que acham literatura um saco”.

“A vida é um escárnio sem sentido.” Disse Álvares de Azevedo, grande poeta romântico brasileiro. O autor que dizem ter previsto a própria morte, parece também antever o escárnio que o envolveriam em séculos que lhe seguiram. Escárnio incongruente! Álvares faleceu aos 21 anos e apesar de sua pouca idade (sim, escreveu sua obra quando ainda era adolescente), sua obra integra o cânone nacional e o consagrou com a cadeira de nº 2 na Academia Brasileira de Letras (ABL). Neste ínterim, seu crítico, apesar de mais idade, o máximo que consegue é impressionar crianças vítimas dessa educação inovadora e destrutiva ao usar um cabelo de cor exótica enquanto imita uma foca.

“A imaginação foi a companheira de toda a minha existência, viva, rápida, inquieta, alguma vez tímida e amiga de empacar, as mais delas, capaz de engolir campanhas e campanhas, correndo...” Machado de Assis, em Dom Casmurro. Nosso imortal foi um homem de seu tempo, que escreveu para a atemporalidade e a universalidade. Os poucos mais de cem anos que nos afastam dele não é justificativa para tornar sua linguagem incompreensível e rebuscada, mas o nível de degradação artística e intelectual que essa geração fora lançada. Atualmente, esboçar um período com palavras completamente pronunciadas já tornam alguém mestre da língua, uma vez que a comunicação por interjeições e grunhidos tornaram-se regra.

Bastou a eclosão dos debates para surgirem diversos linguistas, colunistas, jornalistas, escritores, professores, etc., tentando surfar na onda do famosinho, que entende desde bosta a bomba atômica (o que justifica sua assessoria aos Ministros da nossa Suprema Corte), e narrarem seus traumas e inconformismos por não gostarem de romances, contos, clássicos, livros e, obviamente, lançaram a culpa no fundador da ABL. Interessante que grande parte das obras do Bruxo do Cosme Velho foram publicadas em folhetins e distribuídas para leitura sem restrições para os adolescentes. Penso que nenhum dos amontoados de folhas digitadas, que o Felipe Neto chama de livro, o que consequentemente o torna um escritor (ohhh!) tenha uma única linha comparável ao estilo técnico e artístico de Machado de Assis ou Álvares de Azevedo.

Será que as obras de Tolkien, Lord Byron, Shakespeare, Camões, Cervantes, Gabriel García Márquez, Dostoievski, Tolstói, Balzac, Stendhal, Dickens, entre tantos, devem ser abolidas da leitura para adolescentes de seus respectivos países? Será que física, química, biologia e matemática também devam ser extirpadas da educação básica por consequência dos métodos aplicados por alguns professores ou porque são entediantes para os adolescentes? Excluídos Azevedo e Assis, quais seriam postos em seus lugares? Um influencer escritor e algum poeta concreto? Ou frases de para-choque de caminhão e biscoitos da sorte?

Oscar Wilde afirma que “a literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, molda-a aos seus desígnios.” Um bom livro é mais que um terapeuta auxiliando no encontro com as respostas, ou um amigo indicando a direção do caminho certo a seguir. Cabem-nos bem nesse momento algumas indagações: qual imaginário constituiremos? Qual geração queremos formar? Quais valores queremos tornar comum na sociedade? Determinação, audácia, destemor, tais como Penélope e Ulisses, de Homero; honestidade, coragem e bondade, como Dom Quixote, de Cervantes? Ou a arrogância e obstinação de quem diz que “Virar alvo de críticas me ensinou, principalmente, que mesmo na pior das análises não há a indiferença. Isso, por si só, é razão para sorrir.” Ou seja, sua filosofia é “fale mal ou bem, mas fale de mim”.

A leitura que uma sociedade aprecia forja seus comportamentos. Somos o que lemos. Apreciar um clássico é algo honroso, não um desserviço. Decidi ficar com Millôr Fernandes: “em ciência leia sempre os livros mais novos. Em literatura, os mais velhos.” Amo os clássicos.