Corrupção, perseverança e justiça: dos males o pior?

Lúcio Alves de Barros*

Os recentes acontecimentos veiculados aos quatros cantos do Brasil pela TV e, logo depois estampados em todos os jornais e na famigerada Internet, revelaram como a corrupção tomou importantes poderes em solo brasileiro. O assunto é no mínimo preocupante e não deixa de causar mal-estar àqueles que labutam todos os dias e que, por ingenuidade ou ignorância, ainda acreditam nesse país.

O curioso é que não está longe da memória o tempo dos movimentos reivindicatórios que vieram dar luz ao clamor dos excluídos no Brasil. Para os que não se lembram, ou que estão no que se convencionou denominar de terceira idade, foi no final dos anos 70 e início do decênio de 80 que surgiram no país importantes e potentes movimentos de emancipação no campo da democracia, em sua grande maioria, capitaneados pelo movimento sindical. Das principais mobilizações, não é difícil lembrar das greves de Contagem (MG) e de Osasco (SP), as quais fizeram grande diferença no final dos anos 70. Quanta nostalgia: eram tempos difíceis, de inflação, medo, corrupção e autoritarismo manifesto e latente. Curioso, mas guardadas as devidas proporções, não estamos muito longe dos dias atuais no que se refere a certos episódios.

A despeito de todo problema por que passou os trabalhadores naquele período, muitos participantes dos CONCLATs, das Comunidades Eclesiais de Base ou mesmo das oposições sindicais que fundaram a CUT e o PT, é de sentir tristeza a letargia que perpassa a sociedade brasileira. Já não temos trabalhadores e trabalhadoras como antes. Uma hipótese é possível: ao chegar no poder, muitos esqueceram as identidades, vestiram novas roupagens, privatizaram o erário público para fins eleitorais ou mesmo preferiram se calar na imbecil tentativa de se tornarem participantes da “burguesia”. O fato chega a ser cômico, pois muitas de nossas lideranças políticas fizeram nome no movimento sindical, chegando mesmo a liderar greves e etiquetar o movimento com o nome de “novo sindicalismo”. É bem verdade que o novo cenário nacional favorece o aparecimento de muitas falcatruas e não sei se realmente todas vieram à tona.

Todavia, não existe outra explicação - não cabendo ingenuidade e religiosidade - a não ser a de dizer que a corrupção é normal e patológica. Ela é própria das relações humanas, notadamente, daquelas que fazem parte do poder. Nem por isso ela é justificável ou tolerável e a questão fica mais complexa quando autoridades, enclausuradas no legislativo, no judiciário e no executivo, fazem uso ostensivo dela. Tal fato é vergonhoso, haja vista que estamos lidando com poderes que, por natureza, devem vigiar as ações de outros. Quando as autoridades, por voto ou por concurso público, não fazem o dever de casa responsabilizando os poderes constituídos e se aproveitam desse estado de coisas é sinal de que algo não vai muito bem. Infelizmente, poucos sabem os caminhos do que chamamos de accontability (“prestar contas a”, “responsabilizar algo ou alguém de”) e, para a tristeza geral, aparentemente, vários aprenderam rápido o caminho da corrupção apostando no “jeitinho malandro” do brasileiro que ainda acha graça e encontra brilho no enriquecimento ilícito. Mais que isso, malandros não somente pela cultura hierárquica, criminosa, violenta, machista, racista e patrimonial, mas porque nutrem a certeza da impunidade. A palavra vergonha talvez seja a mais correta em tais ocasiões, mas ela não suporta o peso da realidade. Não vamos nos livrar da corrupção e estamos distantes do seu controle sem a possibilidade de criar mecanismos de responsabilização das esferas públicas.

No passado, podíamos - pelo menos em tese - torcer, participar e manifestar contra o estado de coisas que assola o Brasil. Esperava-se dos trabalhadores, principalmente dos que faziam forte oposição ao governo, alguma atitude. Muitas deram certo e conseguimos, a duras penas, chegar à democracia. Nos dias de hoje, a conjuntura não está favorável. Os que ainda lambem as barbas do governo não venham com a idéia de que a Polícia Federal “nunca trabalhou tanto” e está em plena atividade. Convenhamos, ela não faz mais do que a obrigação e se não trabalhava tanto é porque alguma coisa estava errada. Mas não é o caso gastar linhas nesse assunto. O fato é que não consolidamos a democracia. As instituições brasileiras, aqui e acolá, balançam diante de escândalos e, apesar das teses e mais teses, nada indica que ela caminha para essa consolidação. Pelo contrário, a omissão dos poderes em relação à responsabilização dos seus atores é preocupante e a corrupção desenfreada e sem limites tornou-se banal. É de duvidar que o próprio Estado tenha capacidade para colocar os meliantes de “colarinho branco” na cadeia.

Por outro lado, não cabe falar em esperança, pois nela não se deve acreditar, cultivemos a perseverança para uma nova agenda sindical e de movimentos populares. Cumpre aos trabalhadores e trabalhadoras - ou o que os intelectuais vem chamando de assalariados -, potentes e sofisticadas formas e mecanismos de mobilização. Há muito já se sabe do processo de precariedade nas relações de trabalho, da desmobilização nos sindicatos, dos sonhos corroídos em prol de uma sociedade igualitária ou mesmo do esquecimento da diminuição da desigualdade de renda e dos capitais cultural e político. Não é possível que a sociedade brasileira, carente, ignorante, silenciosa, cordial, pacífica ao extremo assistirá de camarote a emergência de um novo “estado de espírito”. Da justiça de um Estado que vai se consolidar assentado em tragédias coletivas pode-se esperar pouca coisa, apesar de cega, a “justiça” no Brasil é leviana, hierarquizante, autoritária, discriminatória, seletiva e abre os olhos somente para a prisão de negros, trabalhadores de baixa qualificação, analfabetos funcionais, jovens “meliantes”, usuários de drogas, prostitutas, idosos e “ladrões de galinha”. Infelizmente, é possível esperar o casamento deste Estado com a sociedade na qual nos encontramos, pois ela, de uma forma ou de outra, parece comungar dos mesmos desejos e princípios. Se esse casamento der certo e a “justiça” não optar pela separação, pode-se esperar mais e mais filhos, conflitos e mais conflitos, porretes e arranhões, pois, aparentemente, é a única forma que o Estado “democrático” ainda terá para a manutenção de sua legitimidade.

* - é professor e sociólogo, licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela UFJF, mestre em sociologia, doutor em ciências humanas: sociologia e política pela UFMG, autor do livro, Fordismo: origens e metamorfoses. Piracicaba, SP: Ed. UNIMEP, 2005 e organizador da obra, Polícia em Movimento. Belo Horizonte: Ed. ASPRA, 2006. Texto publicado no periódico do SIND Luta (Sindicato dos trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas e Farmacêuticas de Belo Horizonte e região). Contagem, junho, julho de 2007, ano XXII, nº 533, p. 01 e 03.