Sobre o Aborto: entre a concepção e a natalidade
No entender desta pessoa que vos fala, ser pró-vida ou pró-escolha ainda assim é uma discussão meramente biológica. O primeiro parte do princípio que é da concepção que há a vida. O segundo parte do princípio de que não há, realmente, certeza de quando a vida começa, exceto na natalidade, logo, antes disso não há como definir.
Mas ainda não foi discutido, por exemplo, o seguinte: de que maneira duas células com carga genéticas diferentes uma da outra, de duas pessoas inteiramente diferentes, desenvolvem ser humano único na história e, esse último, completamente singular e diferente de seus genitores? Não seria o caso de pensar de outra forma como, a meu ver, na vida em evento anterior a própria concepção?
Para um cristão, vejamos: se for o caso de ser pró-vida no sentido de que a vida inicia na concepção... o que ele quer dizer com isso? Porque, para um cristão, a vida é eterna. A vida é. Simples assim. Ela não "surge" mas, no caso, é revelada. Na pessoa de Cristo Jesus é onde a grande tensão se manifesta de Ele ser Deus e nascer como homem por via da encarnação. Logo, a vida estava lá, antes, e se manifestou diante do mundo, a partir de sua concepção e, posteriormente, em sua natalidade. Efetivamente, comemoramos a concepção ou a natalidade de Jesus? Deixo essa provocação para você. De toda a sorte, um cristão sabe que a vida é e não pode deixar de ser, estando lá antes mesmo do mundo existir. Ñão parece, portanto, que essa defesa apaixonada da vida a partir da concepção se reduz a um materialismo? Pois, se a vida inicia realmente na concepção, é algo biológico e a deve ser comprovado cientificamente. Ou seja, ele crê antes da vida ser eterna e manifestada no tempo por meios naturais, que a vida somente surge por motivos naturais.
Do outro lado, ser pró-escolha é admitir plenamente uma conduta materialista sobre a vida. Tudo que somos é, no mínimo, biologicamente determinado. Nada há além do que a Biologia diz. Se a Biologia diz que vida só surge após 12h, 29 dias ou 3 meses, logo, assim será. Mas isso inibe eles da defesa sobre moralidade, afinal, entre seres meramente biológicos não há moralidade, somente a conquista de um pelo outro. Do mais adaptado pelo menos adaptado, nada mais. Não possuem padrão algum, por conseguinte, para dizer que em tais casos ou todos eles o aborto é "moralmente correto". É tudo uma questão de ser adaptado ao meio que vive, assim, se for totalmente proibido o aborto ou totalmente liberado o aborto, isso não indica nenhum posicionamento moral ou jurídico para eles. Indica somente uma força natural agindo para que haja alguma adaptação. Contudo, a vida humana não é como a vida animal. É muito mais do que isso e muito mais além.
Penso que essa discussão precisa ser aprofundada para além da Biologia, afinal, somos além disso. Sabemos, pensamos, cremos antes de tudo isso e, ainda, realizamos segundo motivações que não são de sobrevivência. São exatamente de exercício da vida que não é a mesma realização dos animais. Mas essa discussão seria mais para uma tomada de decisão de cunho filosófico ou teológico sobre a vida, de fato.
Porém, como jurista e advogado, sabendo que as discussões sobre aborto encontram seu vórtice no Direito - pois lida com aspectos espaço-temporais e com ideais transcendentes ao mesmo instante - diria que o mais prudente é ir pela concepção do que pela natalidade. Por quê? Ora, o parto confirma a concepção.
O parto não "inaugura" a vida mas confirma a vida já presente, ali. Se fosse o caso do parto iniciar a vida, o feto não teria qualquer sinal de vida biológica conhecida, literalmente. Não teria células vivas, sinapses, construções e estruturas orgânicas, nem a batida do coração e o respirar dos pulmões. Simplesmente "surgiria" para o mundo. "Puf!, nasceu". Mas não é exatamente isso que a concepção deveria afirmar? A vida ali surgiu já no encontro de duas células diferentes de carga genéticas diferentes se unindo, formando um zigoto. E aí uma questão de prudência e amor pela vida surge: é moralmente prudente e demonstração de amor pela vida negar a possibilidade da vida ou deixar a vida acontecer até realizar seu termo?