professor - Prática versus teoria

Práxis versus Teoria

O meu grande desafio na educação, atualmente, constitui-se na conciliação de toda teoria estudada e a práxis que exerço nas aulas de Literatura. Houve um desequilíbrio em tudo aquilo em que eu acreditava como um bom ensino de literatura, também a minha postura em sala de aula transformou-se.Possuía uma crença na postura do professor distante, seguro e sabedor, porém, tudo se desfez, em lugar das certezas, sugiram as dúvidas, muitas dúvidas. O primeiro grande choque veio com a leitura do livro do Cláudio Saltini(1),pois o autor acredita que a educação deve ser pensada não nas suas disciplinas,sim como uma forma de promover a vida. Contudo, nas escolas, os professores não pensam na vida quando ministram aulas, a vida é deixada do lado de fora, ali o único interesse torna-se a disciplina, no sentido literal da palavra, o conteúdo e a informação nunca se transformam em conhecimento.

Saltini questiona o fato de irmos a escola todos os dias e nunca podermos falar sobre o que sentimos ou pensamos e invariavelmente não prestamos atenção nos alunos.Em muitas vezes ministramos aulas dois, três anos para o mesmo aluno e não sabemos nada dele, por quê? Deduzo que é medo de se envolver, chegar perto, em várias situações, escutei: “não sou psicóloga, não fui preparada para lidar com esses problemas”.Porém, as situações de aprendizagem são conectadas as emoções, aos sentimentos e ao envolvimento do professor, sem essas condições o que acontece é um deposito de informações sem significação.Podemos retirar as informações do computador, no entanto, para que serve a informação se não soubermos pensar, estabelecer relações, agregar, construir ou mesmo refletir sobre o assunto com outra pessoa.Afinal precisamos do outro para nos olhar e lembrar quem somos. Esta relação afetiva desenvolvida entre professor e aluno não é piegas, constitui-se em um vinculo de confiança e amor.Entretanto, tristemente posso dizer, os professores não possuem interesse pelo desenvolvimento do pensamento, mas sim pelo eco das suas palavras.Quanto maior o eco nas avaliações maior a nota obtida e assim vamos ganhando notas altas, passando de ano sem aprender a refletir sobre nada.

A práxis na escola encontra-se no século XIX, enquanto as teorias evoluem, as pesquisas avançam, os professores permanecem estruturalistas interessados na mesma forma de educar esquecendo que existe uma sociedade do XXI do lado de fora da escola. Edgar Morin(2) justificaria essa visão com o pensamento simplificador.Transformar a escola num esquema linear, eliminar tudo que é estranho, dar a tudo um caráter de normalidade, enfim proibir transportar para fora do sistema e assim tudo estaria resolvido.Entretanto, não é bem assim, há uma guerra nas escolas, são professores defendendo-se dos alunos ou ao contrário.Os conceitos que nos servimos para conceber a nossa sociedade estão mutilados e conduzem ações mutiladoras. A escola torna-se homologa a sociedade e reproduz todas essas ações mutiladoras, e assim mata o leitor, o pesquisador que existe em cada aluno.

No entanto, o papel do educador deveria ser de incitar a pesquisa, levar o aluno à reflexão critica sobre a sociedade em que está inserido e não ditar verdades.A escola, em sua organização atual, somente gera informação, incompreensão, descomprometimento, libertinagem, há urgência na reversão deste modelo, o mundo real precisa de sujeitos com conhecimento, comprometidos e livres, mas com responsabilidades Para essas mudanças acontecerem o conhecimento deve ser visto como uma rede(3) que nos levaria a uma profunda reflexão sobre os estatutos dos processos de avaliação educacional, entender que avaliar não é somente ver as respostas corretas e sim como o aluno chegou até ela, quais as relações mentais desenvolvidas.Entender a avaliação como uma forma dinâmica e não como um momento estático (prova).

Deduzo que todo ensinar e aprender não são puros, pois parecem atados a dimensões sociais éticas, políticas, estéticas e religiosas.Então não podemos ensinar disciplinando(4),ou seja não podemos usar o termo disciplina de Literatura, para alegar que estamos formando leitores na escola, porque disciplinar transforma-se em sujeitar alguém a alguma coisa. Ler é um ato de prazer de emancipação (5),pois liberta o ser humano dos constrangimentos, da rotina cotidiana. Estabelece uma distância entre leitor e a realidade que vive, sendo assim o transforma. Contudo, esse ensino do século XIX que existe nessas escolas situadas no século XX, fragmenta o conhecimento e não vê que certas “disciplinas” envelhecem precisam ser mudadas internamente.

Segundo Jayme Paviani, torna-se muito difícil transformar uma disciplina, então a solução é: interdisplinaridade, multidisplinaridade ou a transdisciplinaridade, entretanto são todas soluções foras das disciplinas.As disciplinas envelhecem, ficam tradicionais não possuem mais adequação ao século ao qual vivemos.A escola permanece, no ideal de Rousseau, afastada da sociedade e nega-se em vincular o aluno ao um meio social, pois assim não há questionamentos.As soluções seria a transformação das disciplinas adequando-as ao século XXI, introduzindo outras operações mentais como: introdução do contraditório, da argumentação, da destruição dos mitos pedagógicos e dos pré-conceitos.A informação não seria o essencial, porque temos tudo virtualmente, o importante seria a construção da relação professor e aluno e como concebem a transformação da informação em conhecimento.

Ao terminar o meu artigo gostaria de enfatizar que o ensino de Literatura constitui-se no meu objeto maior de estudo. Acredito que para acontecer algumas mudanças a Literatura poderia ser vinculada a outras áreas como Historia, Sociologia, Filosofia, principalmente, esquecer o enquadramento por períodos literários. O ensino de Literatura deve buscar a formação de leitores através da revisão dos paradigmas impostos e uma escolha de leituras viáveis aos alunos.O professor de Literatura, neste Brasil tão pobre de leitores, necessita ser “um vendedor de sonhos”, alguém que conte histórias e o faça tão apaixonadamente semeando paixões ao vento pelos livros em suas aulas. Cognitivamente, falando a Literatura somente combina com paixão, páthos.

Marisa Cardoso Piedras

Professora de Literatura

Mestre de Teoria Literária

REFERÊNCIAS

(1) SALTINI, Cláudio J.P. Afetividade e Inteligência.Rio de Janeiro: DPEA Editora, 1997.

(2) MORIN, Edgar.O método I: a natureza da natureza. Mira-Sintra:Publicações Europa-América Ltda.,1977.

(3) MACHADO, Nilson José.Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente.São Paulo: Cortez, 1995.

(4) PAVIANI, Jayme, Interdisplinaridade ou uma nova disciplina. 1993 (artigo) Caxias do Sul

(5) ZILBERMAN, Regina.Fim do livro, Fim dos Leitores.São Paulo: SENAC, 2001.