O VERSO E O REVERSO: PUNIR OU EDUCAR?
Apresentar as idéias da realidade com que convivemos há anos não é uma tarefa fácil. Tudo parece óbvio e ao mesmo tempo difícil de expressar, principalmente das instituições em que estou inserida.
Durante 20 anos de trabalho em dois sistemas: prisional e educacional, onde considero-os como, perversos, hipócritas e discriminatórios, pois são as únicas definições para estas instituições públicas, voltadas para a população menos favorecidas, na sua maioria,“cidadãos” negros, pobres e marginalizados e estigmatizado pela sua condição social, me questiono- onde erramos?
Recentemente ao concluir uma monografia em um curso de especialização em Gestão Prisional, foi constatado nas pesquisas, que 50% da população carcerária da Região Metropolitana de Salvador é formada basicamente por jovens de 18 à 25 anos, jovens que deveriam estar em salas de aula, ou no mercado de trabalho , estão hoje segregados, convivendo com os males da prisionização, que consiste na aceitação de seu papel inferior, acumulação de fatos relativos à organização da prisão, desenvolvimento de novo comportamento adotando uma linguagem local, reconhecimento de que nada é devido ao meio ambiente quanto a satisfação de uma necessidade para que possa garantir sua sobrevivência anulando-se como indivíduo para fazer parte da massa carcerária e ser bem aceito.
Nota-se então, que a prisão leva o indivíduo ao anonimato, a despersonalização do “eu” reprimindo-o cada vez mais para adaptá-lo a este mundo de frustração.
E uma pergunta feito diretamente a esses jovens: Por que na cadeia e não nas salas de aula? ( As respostas veremos a seguir através dos depoimentos dados)
São dados alarmantes sobre a superlotação carcerária, formada basicamente por nossos jovens negros e sem perspectivas, pois é notório, a falência do sistema prisional. Daí a necessidade urgente de um amplo movimento nacional, no sentido de que mudanças urgentes e estruturais no sistema educacional e políticas públicas de ações efetivas e eficientes que criem mecanismos que possibilitem a permanência das crianças e jovens nas salas de aula, contudo, ao concluir estejam realmente aptos a serem inseridos no mercado de trabalho e consciente da importância da sua atuação como um cidadão na sociedade.
Porém as dificuldades encontradas por esses jovens é decorrente de um ensino mediocre e fracassado. Estaremos realmente educando-os para futuramente serem engenheiros, médicos, professores, motorista? É o que estamos fazendo pelos nossos alunos das escolas públicas?
Sabemos que a educação universalizou, foi introduzida políticas públicas para construção de uma escola inclusiva, cidadã e transformadora, porém estamos diante de jovens na sua maioria vitima de um ensino fracassado, perdendo, portanto, a seu objetivo principal, a formação educacional de qualidade ao cidadão, fazendo-o reconhecer-se como sujeito da sua história, interferido, transformando-a e transformando-se.
O Governo criou Programas Nacional de Inclusão (Projovem), Inclusão Digital, aprovou a lei 10.396/03, a lei 11.274/06 e outros, porém, a descrença, as dificuldades e o “ faz de conta” para a implantação e desenvolvimento desses programas é a principal causa do seu fracasso como também a falta de conscientização de cidadania das pessoas envolvidas.
No Programa do Projovem criado em 2005, por medida provisória pelo presidente da Republica, Luís Inácio Lula da Silva, onde os jovens com a idade de 18 a 24 anos que moram nas capitais e fora do mercado de trabalho, que não concluiram a 8ª série do ensino fundamentel teriam chances de acelerar a aprendizagem. O Programa compreende as matérias básicas do ensino fundamental, informática, noções de construção e reparos, telemática, turismo, vestuário e hotelaria e que assistir pelo menos 75% das aulas receberá uma bolsa auxílio no valor de R$100,00 como incentivo e no final receberá um certificado de conclusão do Ensino Fundamental e de formação profissional inicial.
O Programa é interessante, porém aquilo que se propõe não se concretiza, pois acompanhei alguns alunos e o resultado é decepcionante e adstrito, pois só freqüentaram incentivados pelo benefício que receberiam; professores ausentes pela atraso dos salários e o mais preocupante, oferta de uma aprendizagem sem qualidade e as noções profissionalizantes ministradas( as que foram) pouco aditou na formação dos que concluíram o Programa. O retorno da qualidade do trabalho deixa crer que pouco importa os resultados e as dificuldades encontradas, o importante é a propaganda na mídia e o discurso hipócrita dos governantes.
Não foi constatado que os alunos que participaram do Projovem estejam atuando no mercado de trabalho provenientes dos conhecimentos adquiridos através deste Programa, enfim, não há uma fiscalização adequada e eficiente.
Porém, só em 2005 o Presidente garantiu uma verba de R$ 300,00 milhões no Orçamento Geral da União , sendo executado pelo Ministério de Educação (MEC), Secretária-Geral da Presidência da Republica e pelos Ministérios do Trabalho e Emprego de de Desenvolvimento Social.
O Programa Inclusão Digital, na Região Metropolitana de Salvador é deficiente, os laboratórios sacuteados, sem manutenção, alguns fechados cuja a entrada dos alunos é explicidamente proibida, sendo usado exclusivamente pelos professores, não há pessoas suficientes e nem qualificadas para trabalharem com os alunos, ausente um projeto pedagógico adequado, consistente e inovador para trabalhar com as novas tecnologia.
A Lei 11.274 de 6 de Fevereiro de 2006, assegura o direito das crianças de 6 anos à educação formal, portanto, aumentando para nove anos a conclusão do Ensino Fundamental, obrigando as famílias a matriculá-las e o estado a oferecer o atendimento, porém um atendimento de qualidade e não, transformar as nossas escolas em depósito de crianças, como estamos presenciando em Salvador; escolas sem estrutura física, repletas de crianças sem material necessário para ministrar aulas com qualidade de acordo com a idade destas crianças.
O objetivo desta Lei é evitar o fracasso escolar e consequentemente a evasão, concluisse que chegando mais cedo na sala de aula a aprendizagem será mais eficaz, diante disso, esperamos que esta iniciativa contribua para a melhoria do ensino.
A Lei 10.639/03 , que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incluindo no currículo oficial da Rede de ensino a obrigatoriedade da temática “ História e Cultura Afro-Brasileira”, tendo a cidade de Salvador a primeira capital brasileira a incluir no currículo escolar as Diretrizes Curriculares para a inclusão da temática, como exige a lei, valorizando a identidade e a auto-estima do aluno negro, pois sabemos que a maioria formam as salas de aula das escolas públicas.
Espera-se então, que cresça a consciência social e politica sobre a discriminação racial dentro da escola, pois os conflitos raciais é tão marcante, existindo ainda uma sociedade onde o racismo é estruturante das relações sociais, de trabalho e escolares, contribuindo, portanto, para a “evasão escolar”, expressão rejeitada por Paulo Freire, nosso grande educador, para ele esta expressão dá a idéia de que a pessoa saiu da escola porque quis. A melhor expressão segundo ele seria “expulsão escolar”, diante disso, podemos afirmar: alunos expulsos por uma escola mediócre com discurso hipócrita, impotente em lidar com a questão racial presente em sala de aula.
O mais irônico, é presenciado nas escolas municipais da cidade de Salvador, impotentes projetos de fachada, sobre a Lei 10639/03 sendo apresentados e o preconceito e a discriminação continuam persistindo.
Como manter os nossos jovens na escola sem motivação, com a auto-estima baixa, a qualidade de ensino precária, com projetos pedagógicos desconexados com a realidade dos alunos, sem diretrizes de uma educação para a cidadania, democracia e para a liberdade, uma escola cidadã, tendo como prorrogativa a formação do cidadão que se mobilize, participe e que tenha bem claro o seu papel não como mero reprodutor de um discurso demagogo que exclui o sujeito da sua cidadania, e sim de produtor de conhecimentos. Daí a importância da construção de uma escola inovadora, criativa, com projetos ousados e bem articulados, focados no aluno e nos seus interesses, uma escola que rompa as prisões curriculares, feitas para modelar, circundar e repreender.
Fala-se tanto em uma escola cidadã, interacionista, democrática e participativa, porém, ainda convivemos com uma escola como instrumento de poder e não uma escola para a libertação como sonhou o nosso grande mestre Paulo Freire. Necessitamos de um escola para a transformação do indivíduo, para que possa atuar na sociedade reconhecendo o seu papel social.
É notório que a escola pública é composta basicamente de negros, pobre da periféria, individuos já estigmatizados pela sua condição social, como acontece nas prisões, selecionados, desvalorizados, trazidos para o cárcere, já que a educação falhou, para serem “reeducados” de forma vil, desumana e o irônica, como pode um Estado que não sabe EDUCAR as suas crianças, se dá o direito de REEDUCÁ-LAS? PUNIR é a solução?
Não devemos nos deixar levar com os discursos da modernidade de que nossos jovens não tem mais idéias porque vivem no consumismo, em que a mediocridade são características a eles empregados.
Estamos testemunhando nas manchetes dos jornais que os jovens morrem em acidentes radicais; lutando entre si nos bailes fanks e nas baladas; em acidentes de carros, por estarem embriagados ou em pegas; nos mundos das drogas, das violências,.do crime, portanto, consequentemente muitos perdendo a sua liberdade e a sua juventude.
A minha preocupação e a minha angústia como educadora estão nos depoimentos destes jovens que hoje se encontram atrás das grades. Muitos optaram pelas ruas, as drogas, a marginalização, para eles a escola não foi atrativa o suficiente para instigá-los a continuar, negando-lhes a esperança, a competência e segurança para a sua inserção na sociedade de forma positiva, é Brasil jovem atrás das grades, adotados pelo trafico e pelas drogas.
“Ia todos os dias para escola cansado, pois carregava engradado de cerveja, ficava esperando um único professor, nunca reclemei, para quê? Quem estava se importando comigo. Pensei que ia aprender alguma coisa, queriia ser bancário, mais vi que só se fosse para assaltar o banco, quase que não aprendi nada. Preferi sair da escola e traficar, vendia um cigarro de maconha por R$ 1,00 . Não quero sair daqui, o que irei fazer lá fora?”
D.S.S 5ª série 19 anos
“Comecei a fumar maconha dentro da escola, a facilidade foi tanta que só ia á escola para isso. Agora olha o que ganhei.” M.S.A 19 anos 4ª série
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“Nada lá me interessava, a escola não tinha graça nenhuma “E.J. 18 anos 5ª série.
“O professor só ia para lá enrolar, preferi largar tudo e fui trabalhar para ajudar em casa, a mãe teve muito filho e acho que foi o que me trouxe para cá, eu tinha tanto irmão que a mãe mandava a gente ficar na rua pois não dava prá todos ficar no mesmo lugar. Chegava na escola só queria brigar e era suspenso quase todos os dias. Quem estava se importando comigo.
N.P.J. 20 anos 5ª série
“Na escola tudo era triste, queria zoar, queria emoção. Agora tô aqui, me estraguei, olha pra mim pareço que tenho 19 anos” S.S. 3ª ´Série
A professora me colocava para fora da sala, eu era muito abusado. Nunca achei quem me ouvisse. Sair da escola depois que repetir a 3ª série 3 vezes e não aprendi a ler” A.S.M. 19 anos
“Tomava suspensão quase todos os dias, um dia a professora me chamou de pivete. Não sabia nem tirar do quadro.” F. R.T. 2ª série 18 anos
“Queria voltar para a escola, mais queria aprender uma profissão, já tenho uma filha”. J.L.O. 5ª série 20 anos
“Queria uma escola diferente, por isso pertubava muito”. R.L.O 4ª série 21 anos
“A professora era chata, não gostave de estudar, não aprendia nada e a professora não estava nem aí. Só vivia na Secretária.” V.O. 3° série incompleta
“Gostava da escola tinha uma galera boa, mais o bicho pegou, não tinha aprendido nada. Entrei em outra, fui trabalhar, não consegui nada, também não sabia nada, daí me juntei com uma turma da pesada e a gente resolveu um dia assaltar um ônibus e aqui estou”. D.O.P. 22 anos 6ª série
“Eu não sei ler. Sei no máximo assinar o meu nome, não via sentido continuar estudando tinha vergonha de dizer que não sabia nem ler. Mais a falta da escola e de um trabalho “decente me empurrou para aqui”. V.R.J. 3ª série 19 anos.